Perguntas e Respostas: Padres são obrigados a denunciar casos de abuso sexual? E quando prescrevem os crimes?
Nem todos os abusadores de menores são pedófilos. Prescrição destes crimes dá-se dez a quinze anos depois de terem sido cometidos. Justiça não pode acusar hierarquia da igreja nem padres de encobrimento.
Um padre que sabe de um caso de abuso sexual de menores é legalmente obrigado a denunciá-lo? Pode ser acusado de encobrimento?
Não. Diz a lei que só os funcionários têm a obrigação de denunciar crimes — uma designação que abrange não apenas os funcionários públicos — incluindo magistrados e juízes —, mas também outras pessoas que podem assumir essa qualidade por serem, de alguma forma, representantes do Estado. Durante muito tempo considerados também funcionários, os representantes das Instituições Privadas de Solidariedade Social deixaram de o ser graças a uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, o que significa que religiosos que dirijam uma destas instituições, como por exemplo a Casa do Gaiato, deixaram também de ser obrigados a denunciar abusos de menores. Já os funcionários que se recusarem a fazê-lo sujeitam-se a uma multa por incorrerem no crime de desobediência.
E se for um crime contado pelo próprio criminoso durante a confissão?
Nesse caso, a protecção do padre confessor é maior ainda, porque, ao contrário dos restantes sigilos profissionais, como por exemplo o dos advogados, que podem ser levantados por um tribunal superior, o sigilo religioso é o único que não pode ser revogado. “É um segredo inviolável”, explica o penalista André Lamas Leite. Que diz existir, porém, uma excepção a esta norma: se a confissão tiver lugar antes de um crime grave ser cometido, o padre que optar por denunciá-lo pode fazê-lo ao abrigo do chamado estado de necessidade, para impedir que aconteça, circunstância que o inibe de ser punido por violação do segredo profissional. “E ao abrigo do direito canónico também não seria punido, uma vez que actuou para proteger um bem maior”, explica também este professor universitário.
Os supostos crimes que estão a ser denunciados já prescreveram?
A maioria das denúncias que tem vindo a público diz respeito a casos já prescritos. Dependendo do seu grau de gravidade, a justiça já não pode punir quem perpetrou abusos sexuais de menores há mais de dez ou 15 anos, muito embora o Ministério Público possa vir a abrir inquéritos para determinar a data exacta em que os delitos aconteceram, investigando assim se os seus autores cometeram o mesmo tipo de actos mais recentemente. O penalista André Lamas Leite explica que em Portugal só são imprescritíveis crimes contra a paz e a humanidade, como o genocídio e o terrorismo, uma vez que Portugal está adstrito ao Tribunal Penal Internacional. E recorda que em Cabo Verde, por exemplo, o homicídio deixou de prescrever.
Uma suspeita de crime arquivada pelo Ministério Público pode ser reaberta?
Caso o delito não tenha prescrito, o processo pode ser reaberto, mas só se surgirem novos indícios suficientemente fortes dos abusos.
Quantas investigações estão em curso no Ministério Público?
Informações fornecidas pela Procuradoria-Geral da República na semana passada dão conta da abertura de dez inquéritos, um dos quais concentrando seis participações feitas à Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica em Portugal e outros dois inquéritos resultantes de duas participações cada um. Sete destes inquéritos estão em investigação e três foram já arquivados, um por prescrição, outro por falta de meios de prova e o terceiro pelo facto de os abusos em causa já terem dado origem a uma condenação depois de feito o respectivo julgamento.
Os abusadores sexuais de crianças e jovens são pedófilos?
Uns sim, outros não. Os pedófilos são uma pequena minoria no universo dos abusadores sexuais de menores, que se caracteriza por terem preferência sexual por crianças abaixo dos dez anos. “Apresentam maior taxa de reincidência no crime que os outros abusadores de crianças — a nível europeu há uma reincidência de cerca de 20% mesmo depois de sujeitos a tratamento”, explica a especialista no fenómeno Cristina Soeiro, da Polícia Judiciária. A pedofilia é considerada uma parafilia, isto é, uma doença mental.
Já os chamados abusadores de menores situacionais, por oposição aos pedófilos, têm na sua maioria como vítimas crianças a partir dos 11 anos e não têm uma preferência sexual por crianças ou jovens. Usam-nos pelo facto de as suas dificuldades de relacionamento social lhes dificultarem o acesso a adultos.
Dentro do grupo dos pedófilos existem ainda dois subgrupos: os que nunca tiveram sexo com adultos, por um lado, e, por outro, os não exclusivos, que podem ter um relacionamento com um adulto que tenha filhos, com o intuito de se aproximarem da criança. Os pedófilos são consumidores de pornografia infantil online, às vezes transmitida em directo, existindo também casos em que isso basta para os satisfazer.