As substâncias perfluoroalquiladas (conhecidas como PFAS) são uma grande família de substâncias químicas, que têm aplicações comerciais variadas, incluindo espumas de combate a incêndios, tintas, embalagens alimentares, talheres descartáveis, têxteis, utensílios de cozinha antiaderentes e até produtos médicos ou electrónicos. As empresas adicionam PFAS a diversos bens de consumo para que eles se tornem antiaderentes, à prova de água e resistentes a manchas. Mas há um problema com o recurso a estas substâncias.
Elas contêm ligações entre átomos de carbono e átomos de flúor. Segundo explica a Agência Europeia das Substâncias Químicas (ECHA, na sigla em inglês), estas são “das ligações químicas mais fortes na química orgânica”. Quer isto dizer que as PFAS — que, acrescenta ainda a ECHA, “são também facilmente transportadas no ambiente, percorrendo longas distâncias desde a fonte da sua libertação” — resistem muito à degradação. Estas substâncias são consideradas como poluentes orgânicos persistentes (POP, na sigla em inglês), que são extremamente resistentes na natureza, contaminando os organismos vivos, a água potável, os solos e o ar.
Os POP são regulados a nível mundial pela Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, um tratado internacional assinado em 2001, e ainda pela Convenção de Aarhus. Portugal ratificou a Convenção de Aarhus em 2003 e, no ano seguinte, a Convenção de Estocolmo.
Um novo estudo, publicado esta semana na revista científica Environmental Science & Technology, indica que esta contaminação chegou a um nível tão crítico que até na água que cai do céu as PFAS já estão presentes — em quantidades alarmantes. Estão literalmente a chover substâncias químicas nocivas, alerta uma equipa de investigadores, argumentando que terá sido ultrapassado o limite de PFAS que podem existir no planeta sem que seja comprometida a segurança da humanidade. Essa equipa, liderada por Ian Cousins — químico britânico que é professor na Universidade de Estocolmo, na Suécia —, defende que é fulcral começarmos a limitar o recurso a estas substâncias imediatamente.
No âmbito do estudo, os autores analisaram a composição química de diferentes amostras de água da chuva, recolhidas entre 2010 e 2022 em vários pontos do globo. Mesmo em geografias como a Antárctida e o planalto do Tibete, que têm uma reduzida presença humana — e, como tal, uma reduzida produção de bens de consumo com PFAS na sua composição —, foram encontradas concentrações preocupantes das quatro PFAS mais amplamente estudadas (Ian Cousins explica ao PÚBLICO que, apesar de existirem milhares de PFAS, a maioria não é estudada devidamente pela comunidade científica, sobretudo por falta de dinheiro).
Entidades como, por exemplo, a Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla inglesa) têm a responsabilidade de identificar a concentração de químicos na água potável abaixo da qual não há riscos de saúde para os consumidores. Em Junho deste ano, a EPA pronunciou-se relativamente a dois PFAS, afirmando que não é seguro beber água que, por cada litro, contenha quatro picogramas de ácido perfluoro-octanóico (PFOA) ou 20 picogramas de ácido perfluoro-octanossulfónico (PFOS).
Os investigadores da Universidade de Estocolmo verificaram que, em cada uma das amostras de água da chuva, a quantidade de PFOA estava bastante acima de quatro picogramas por litro. As concentrações mais reduzidas foram encontradas no planalto do Tibete, com uma média de 55 picogramas por litro (que, apesar de tudo, está quase 14 vezes acima da marca de segurança proposta pela EPA para a água potável).
O estudo tece a consideração de que, apesar de “os humanos que vivem em áreas industrializadas do planeta não costumarem beber água da chuva no mundo moderno”, é preocupante constatar que o ambiente está num estado tão frágil que pode ser perigoso beber a água que cai, naturalmente, do céu. “Além disso, a água da chuva continua a ser uma fonte importante de água potável em algumas partes do mundo, designadamente algumas regiões áridas e tropicais”, dizem os autores.
Os investigadores reconhecem que as directrizes da EPA quanto às concentrações de PFAS na água potável são das mais “rigorosas”, pelo que não são necessariamente representativas das recomendações de segurança que existem à escala internacional. Ainda assim, comentam que, um pouco por todo o mundo, essas recomendações de segurança estão a ficar cada vez mais severas, o que, entendem, é ilustrativo da dimensão do problema.
Limpar PFAS? É possível, mas muito caro
A equipa liderada por Ian Cousins salienta com pena que “só agora”, num momento em que os PFAS já estão “espalhados globalmente”, é que começamos a descobrir os seus efeitos. Os investigadores explicam que, “em muitos casos”, os impactos destas substâncias atacam “em combinação com outros problemas ambientais, como a escassez de água ou a poluição por parte de outros contaminantes”.
Ao PÚBLICO, Ian Cousins explica que os PFAS podem afectar o sistema imunitário dos humanos, “impedindo a produção de anticorpos”, por exemplo. Há também vários estudos que referem que a exposição a uma série de PFAS pode aumentar o risco de diferentes tipos de cancro (e, também, diferentes impactos nos sistemas reprodutivo e hormonal).
No estudo publicado agora na Environmental Science & Technology, os investigadores da Universidade de Estocolmo dizem que, apesar de o PFOA e o PFOS já não serem tão usados industrialmente — é dado o exemplo da empresa 3M, uma grande fabricante de produtos díspares (desde fitas adesivas a materiais hospitalares e dentários) que, há cerca de 20 anos, começou a deixar de utilizar esses dois ácidos —, serão necessárias “décadas” até que as suas concentrações se aproximem de valores mais reduzidos. E é provável que os problemas associados a esses dois ácidos sejam “apenas a ponta do icebergue, já que existem muitos milhares de PFAS — e os riscos associados à maioria deles permanecem desconhecidos”.
Ian Cousins diz-nos ainda que há “vários métodos avançados de tratamento” através dos quais é possível remover PFAS da água e de solos, mas esses métodos são muito caros. Importa, por isso, limitar ao máximo a utilização dessas substâncias, que, no entender do químico britânico, só devem ser usadas industrialmente quando não puderem ser substituídas por quaisquer outras.