Os primeiros “ovos” vegan portugueses estão prestes a eclodir, sem chatear galinhas
Gostam tanto de ovos que criaram substitutos a partir de proteínas vegetais. Os Happinneggs, produzidos em Alcobaça, deverão chegar ao mercado a partir de Setembro e os notEggo ganharam um prémio. “Dar alternativas, independentemente da dieta que a pessoa siga, é imprescindível na altura em que vivemos.”
Para Ema Camacho, “uma francesinha tem de vir com ovo”, mesmo as que não têm carne. É a melhor aplicação que a estudante de mestrado em Engenharia Alimentar tem para defender o notEggo, um “ovo” estrelado feito à base de tremoço, batata-doce e farinha de arroz, pensado para vegans e para quem tem alergia ao ovo.
Numa frigideira com um fio de azeite, Ema verte primeiro o líquido espesso branco de uma das metades da embalagem oval, que forma instantaneamente um círculo branco, e despeja no centro o conteúdo da outra metade, que sai do copo como uma “gema” amarela perfeita.
Alguns segundos bastam para a “clara” começar a borbulhar e ficar mais tostada nas bordas, sinal de que o “ovo” está pronto. No prato, a “gema” cede sob a pressão da faca e escorre — passa o teste, embora visualmente se assemelhe mais a creme de ovos. Ainda assim, impressionante.
“Uma das coisas que mais tivemos em atenção foi a textura da clara e a experiência do rebentar da gema”, diz a estudante madeirense de 22 anos, incluindo na conversa as colegas de grupo Beatriz Costa, 21, e Lígia Cruz, 24. O produto “enriquecido com as vitaminas B5 e B12”, a pensar nas dietas vegan, não alcança o valor proteico de um ovo de galinha, ficando-se pelos 4,9 gramas por 100 gramas, segundo a embalagem provisória.
Por agora, o notEggo só pode ser provado nas cozinhas-laboratório da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto, onde as três investigadoras estudam.
O desafio de uma das unidades curriculares era “desenvolver um produto inovador” num semestre. Foi o formato de “ovo” estrelado, que não existe à venda em Portugal e só agora começa a ser desenvolvido no sector agro-alimentar internacional, que lhes valeu a distinção Born from Knowledge (BfK), atribuído pela Agência Nacional de Inovação (ANI) a projectos de estudantes universitários na área da ecoinovação alimentar, no início de Julho.
As investigadoras, que têm um interesse pessoal em criar mais alternativas vegetarianas, desenvolveram um plano de negócios e gostariam agora de fazer mais testes e analisar parcerias com empresas ou planos de financiamento a fundo perdido para jovens empreendedores.
Felicidade e “ovos”
Os “ovos” 100% vegetais são mais difíceis de encontrar à venda nas grandes superfícies do que substitutos do queijo e iogurtes ou proteínas vegetais, como o tofu e o seitan. Normalmente vendidos em pó ou num líquido amarelado, posicionam-se como uma alternativa que “usa menos água” e é “livre de colesterol”. Podem ser mexidos, transformados numa omelete ou usados numa quiche ou sobremesas.
Importados, é possível comprar em Portugal os substitutos da marca V'Eggs, um pó que basta misturar com água. Os mais famosos, os californianos Just Egg, feitos a partir de proteína de feijão mungo, foram aprovados pela Comissão Europeia e deverão chegar aos supermercados europeus no final do ano.
Entretanto, a startup israelita YO-Egg comercializa ovos estrelados hiper-realistas à base de plantas e a Crafty Counter, uma empresa norte-americana, apresentou um ovo cozido pronto a comer, feito à base de caju e amêndoas.
O primeiro preparado vegetal de alternativa ao ovo “eclodido” em Portugal deverá “entrar no mercado no final do Verão”, esperam os responsáveis pela Plantalicious, Mayla Araújo e Daniel Abegão.
Os Happinneggs (uma aglutinação das palavras “felicidade” e “ovos"), como deverão ser chamados, são feitos a partir de uma mistura de proteínas vegetais biológicas: arroz, ervilha e feijão de soja.
O produto assemelha-se a um ovo batido, inclusive no sabor, e será vendido congelado, “por não ter conservantes”. Para fazer ovos mexidos, “é só pôr na frigideira”. Para fazer maionese, sobremesas e quiches, por exemplo, “basta deixar descongelar” a quantidade necessária. “Continua com o intuito de ser um produto rápido, pronto a consumir”, salvaguarda Daniel Abegão.
“O nosso objectivo era chegar o mais próximo da realidade do ovo tradicional. Nunca foi imitar o ovo, porque está lá o ovo, não tem sentido fazer outro. Mas é uma alternativa”, apresenta Mayla Araújo, investigadora brasileira na área das Ciências Gastronómicas e apaixonada pela cozinha (inclusive, pelas que usam pipetas antes das panelas).
A empresa de alternativas vegetais que co-fundaram está sediada em Alcobaça, Leiria, no centro do país — onde se concentra a esmagadora maioria do sector de produção de ovos em Portugal. Também é lá que estão os laboratórios do CFER, o Centro para a Formação e Investigação Alimentar que presta serviços a empresas na área “alimentação saudável” onde começou o projecto da Plantalicious.
Não é preciso ter alergia ao ovo, ou um olho atento após anos sem comer produtos de origem animal, para perceber que os ovos estão presentes nas listas de ingredientes de muitos dos artigos na prateleira do supermercado e da pastelaria. Em média, uma pessoa em Portugal consome mais de 200 ovos por ano (10,9 quilogramas de ovo, por pessoa, segundo o INE).
A versatilidade e a performance do “ovo” da Plantalicious, diz Mayla, torna-o uma “alternativa real” para várias indústrias, dos doces aos salgados. “Temos a textura, o sabor e o cheiro muito semelhante”, assegura. Os valores nutricionais também se aproximam de um ovo de galinha, embora a quantidade de proteína ainda fique “ligeiramente” abaixo.
Não será um produto mais barato do que o ovo, admite Daniel Abegão, ciente da importância do preço para tentar alguém a provar alternativas vegetais. Num inquérito online com duas mil respostas, a Associação Vegetariana Portuguesa confirmou que o “preço é o factor mais importante” no momento de compra de um produto vegan — e “a principal reclamação dos consumidores”.
Quem não come ovos usa normalmente sementes de linhaça com água, que forma uma “gelatina” para incorporar na massa de panquecas, por exemplo, ou aquafaba, a água da cozedura do grão-de-bico que, depois de umas horas no frigorífico, é possível bater em “claras” em castelo, sugere a Associação Vegetariana Portuguesa.
Os preparados líquidos que “mimetizam a confecção e sabor do ovo” podem “ajudar” quem reduz o consumo de ovos, mas sente falta deles, resume Mayla Araújo, acrescentando: “Dar alternativas, independentemente da dieta que a pessoa siga, é imprescindível na altura em que vivemos.”