Ataque contra Zawahiri: meses de vigilância, construção de uma maquete da casa e uma “bomba ninja”

Líder da Al-Qaeda foi morto na varanda da casa de Cabul onde vivia com a família por um míssil com lâminas em vez de explosivos. Mulher, filha e netos estavam noutras divisões, mas não ficaram feridos.

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Ayman al-Zawahiri sucedeu a Osama bin Laden na liderança da Al-Qaeda Reuters/Daily Dawn

A grande preocupação de Joe Biden foi evitar uma repetição do ataque que ordenou a 29 de Agosto de 2021, “um erro trágico” que matou dez civis, incluindo sete crianças, de uma família que se preparava para fugir do Afeganistão entre o caos da retirada norte-americana e o regresso dos taliban ao poder. Destinada a neutralizar uma “ameaça iminente” do Estado Islâmico (que dias antes reivindicara o atentado no aeroporto que matou mais de 200 afegãos e 13 soldados americanos), esta operação marcou com sangue a saída dos Estados Unidos do território.

Quase um ano depois, deixar passar a oportunidade para assassinar Ayman al-Zawahiri seria impensável, mas antes de voltar a ordenar uma operação em Cabul, Biden quis saber do mais ínfimo pormenor. A operação que acabou por autorizar, no último domingo, é descrita pelos seus responsáveis como um “ataque aéreo sob medida”. O resultado é que o líder da Al-Qaeda, ex-lugar tenente de Osama bin Laden que esteve a seu lado na coordenação do plano do 11 de Setembro, foi a única vítima de um ataque contra a casa que partilhava com parte da sua família – e onde só os destroços de uma varanda denunciam o que ali aconteceu.

De acordo com as informações recolhidas pela CIA, Zawahiri terá passado a viver em Cabul pouco depois de os taliban voltarem ao Palácio Presidencial. Os serviços secretos localizaram-no no início do ano, numa casa em Sherpur, um bairro de classe média-alta da capital afegã, propriedade de um assessor de Sirajuddin Haqqani, ministro do Interior do governo dos “estudantes de teologia” e líder da Rede Haqqani, grupo responsável por alguns dos mais mortíferos atentados dos últimos 20 anos na cidade. As fotografias divulgadas agora pelas agências mostram uma casa em tons de salmão com três andares e amplas janelas, rodeada por árvores e protegida por uma cerca com arame farpado.

Uma vez confirmada a presença de Zawahiri no local, os norte-americanos construíram um modelo da casa e levaram-no para a Situation Room, a sala de conferência na cave da Casa Branca reservada para crises e grandes decisões. Biden, diz um responsável citado pelo diário britânico The Guardian, examinou a maquete cuidadosamente e pediu explicações detalhadas sobre materiais de construção, iluminação, clima e outros factores que pudessem interferir com a operação e limitar o risco de vítimas civis.

O facto de Zawahiri não sair de casa foi um dos desafios. Finalmente, a varanda onde se refrescava com frequência surgiu como local ideal. Um responsável da Administração disse à Associated Press que Zawahiri foi identificado em “múltiplas ocasiões, por longos períodos de tempo” na varanda onde acabou por morrer. Na mesma casa, viviam a sua mulher, uma das suas filhas e os filhos desta – o objectivo era matar o egípcio sem pôr em risco nenhum dos seus familiares.

Eram 6h18 da manhã em Cabul (noite de sábado ainda em Washington), quando um drone norte-americano sobrevoou Cabul e disparou dois mísseis Hellfire, uma arma inicialmente desenvolvida para destruir blindados mas adaptada entretanto para ataques de precisão com drones. A escolha recaiu em particular num tipo de míssil que é uma modificação do Hellfire AGM-114 em que a carga explosiva é substituída por seis lâminas: segundo a AFP e o diário The Wall Street Journal, o Hellfire R9X, arma inspirada nas estrelas ninja, é conhecida por “ginsu voador” (numa referência ao nome de uma popular marca de facas norte-americanas) ou “bomba ninja”.

As lâminas activam-se imediatamente antes do impacto, “cortando” o alvo sem provocar qualquer efeito de explosão e sem causar danos em redor. Único por não conter nenhum material explosivo, usando apenas energia cinética (do movimento), este míssil terá sido disparado pela primeira vez em 2017 (seis anos depois de ter começado a ser devolvido) e até hoje o Pentágono e a CIA continuam em silêncio sobre a sua utilização. A sua existência começou por ser confirmada em 2019 pelo Wall Street Journal e o jornal garante que já foi usado na Líbia, Síria, Iraque, Iémen e Somália.

A AFP recorda que o mesmo míssil foi usado para atacar um suspeito líder terrorista num carro na Síria, em 2017, rasgando o tecto da viatura e deixando em pedaços a zona dos lugares dos passageiros, enquanto a frente e a traseira do carro ficaram intactos. Ainda de acordo com o Wall Street Journal, este míssil já tinha sido a escolha para matar Abu al-Masri, antigo “número dois” da Al-Qaeda considerado um possível sucessor de Zawahiri e assassinado no Irão em 2020 (segundo escreveu, na altura, o jornal The New York Times, numa operação realizada por agentes israelitas a mando dos EUA).

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