“Não és tu, é o teu carro.” Estes activistas climáticos esvaziam os pneus dos veículos que mais poluem

Os Tyre Extinguishers são um grupo anónimo e descentralizado de jovens ambientalistas que saem à rua de madrugada para esvaziar os pneus de diversos SUV. Que se saiba, o movimento internacional ainda não chegou a Portugal. Especialistas falam de uma escalada de violência no que concerne a protestos climáticos.

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Vista aérea da Ponte do Freixo, no Porto Nelson Garrido

Actuam durante a madrugada, quando a maioria das outras pessoas está a dormir. Juntam-se em pontos estratégicos de grandes centros urbanos e passam algumas horas a percorrer diferentes ruas, com um único propósito: encontrar veículos utilitários desportivos (sport utility vehicles, ou, simplesmente, SUV) e esvaziar os seus pneus.

Os Tyre Extinguishers são um grupo anónimo e descentralizado de jovens que, desde o mês de Março, têm organizado “acções” nocturnas, no âmbito das quais esvaziam, de forma discreta, os pneus de diversos SUV. A sua tese é a de que esses corpulentos carros, que têm vindo a ocupar um lugar cada vez mais destacado no mercado automóvel, são grandes consumidores de energia, pelo que as suas emissões de gases com efeito de estufa (GEE) são bastante significativas.

Os SUV são “um desastre para a saúde, a segurança pública e o clima”, defende, no seu site, o grupo, explicando o porquê de fazer o que faz. “Queremos fazer com que se torne impossível uma pessoa ser proprietária de um SUV nas áreas urbanas do mundo”, declaram os ambientalistas, sustentando que, como esses veículos são “maiores e mais pesados do que outros carros, consomem mais combustível e, portanto, são mais poluentes”.

O polémico movimento iniciou-se no Reino Unido, com “acções” nocturnas em diferentes áreas de Bristol, Cambridge, Liverpool, Londres, Manchester e Sheffield, por exemplo. Depois de, a certa altura, os Tyre Extinguishers terem alegado que, até então, já haviam interferido com as rodas de 200 veículos em Edimburgo, capital da Escócia, começaram a formar-se subgrupos nesse país. Esses subgrupos vieram a dar início a uma espécie de “rivalidade amigável”, competindo entre si para ver quem é que conseguia esvaziar mais pneus.

A fama dos Tyre Extinguishers tem vindo a crescer e o movimento, que roçará a ilegalidade, já se estendeu a países como Alemanha, Áustria, Canadá, Estados Unidos, França, Nova Zelândia, Suécia e Suíça. Que se saiba, ainda não terão ocorrido “acções” em Portugal.

​Ameaças de morte

Após esvaziarem os pneus de um SUV, os Tyre Extinguishers colocam um folheto no pára-brisas do veículo. Consta desse folheto um desenho de um carro com um proibitivo círculo vermelho por cima (pense no célebre filme Os Caça-Fantasmas e troque o pequeno fantasminha por um SUV), bem como um texto em que os jovens explicam ao dono ou à dona do carro o porquê de o terem vandalizado. Referem que as emissões de GEE pelas quais o veículo é responsável estão a matar o planeta. E acrescentam: “Vais ficar com raiva, mas não leves a peito. Não és tu, é o teu carro.”

O grupo não está interessado em furar pneus, causando-lhes danos permanentes. Acredita que, mesmo provocando estragos mais reparáveis, consegue enfurecer os proprietários dos carros ao ponto de a mensagem ser transmitida.

Os ambientalistas envolvidos nestes actos têm mantido o anonimato. Querem evitar problemas com a justiça. Também desejam proteger-se minimamente das ameaças de morte que têm recebido. O jornal britânico The Guardian, que acompanhou recentemente uma “acção” dos Tyre Extinguishers em Nova Iorque, nos Estados Unidos, escreveu que uma das pessoas lesadas enviara um email aos jovens, dizendo que, assim como eles haviam esvaziado os pneus do seu carro, ele iria “esvaziar os seus pulmões”.

“As ameaças de morte não me preocupam. Para ser muito honesto, até me dão algum prazer. Vocês [as pessoas que fazem as ameaças] não me vão encontrar”, disse ao The Guardian uma jovem chamada Alex. Outro membro associado ao grupo afirmou a esse jornal que os estragos provocados pelos ambientalistas ao esvaziar um pneu “não são nada” em comparação com os estragos climáticos causados pelos SUV.

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Tarde de algum trânsito no Porto Nelson Garrido

​Os protestos climáticos estão a ficar mais violentos

Há um sector da população que acredita ser desnecessário alguém ser dono de um SUV numa grande cidade mundial, onde, pelo menos em teoria, existe uma boa oferta em termos de ciclovias, transportes públicos ou outras soluções. “Se os Tyre Extinguishers levarem a que tenhamos uma conversa sobre quão absurdo é alguém conduzir um Cadillac Escalade de 6000 libras [mais de 2720 quilos] para ir buscar um puto de 60 libras [27 quilos] ao seu treino de futebol, bom para eles”, disse, citado pelo The Guardian, Doug Gordon, um dos apresentadores do podcast The War on Cars (A Guerra Contra os Carros).

Também há um sector da população que considera infantil a ideia (que os Tyre Extinguishers defendem) de que um SUV apenas serve para os seus proprietários exibirem um certo estatuto social junto das outras pessoas. “Precisamos de um veículo maior porque tenho dois filhos com necessidades especiais”, comentou, também ao The Guardian, Quanda Ellis-Walker, mulher cujo carro foi alvo da mira dos ambientalistas na Califórnia, nos Estados Unidos.

O que as controversas “acções” dos Tyre Extinguishers têm permitido perceber é que, no que diz respeito a protestos climáticos, está a haver uma escalada em termos de violência. Há quem acredite que, dado o estado cada vez mais frágil do ambiente e a falta de medidas com real impacto por parte dos mais diversos decisores políticos, já não se vai lá com marchas pacíficas.

Esvaziar os pneus de um SUV é como tentar envergonhar publicamente o dono do carro, compara Dana Fisher, socióloga na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. Ouvida pelo The Guardian, a especialista, que estuda protestos em defesa do ambiente desde a década de 1990, é da opinião de que as “acções” dos Tyre Extinguishers dão conta de um novo nível em termos de ataque pessoal e confronto. Há uma tensão que parece estar a crescer — e não é descabido imaginar que, num futuro mais ou menos próximo, ela possa vir a traduzir-se em algo com implicações ainda maiores.

“Há muitas pessoas que, querendo saber do ambiente e estando desiludidas [com o que está a acontecer ao planeta], estão à procura de uma táctica de protesto”, diz Dana Fisher. “Não me surpreenderia se isto fosse o início de algo mais conflituoso e destrutivo. Consigo ver isto a explodir em algum momento.”