Esta segunda-feira surgiu a notícia de que a presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, irá aterrar e pernoitar em Taiwan, a ilha democrática e independente, habitada por 23 milhões de pessoas, que a China considera como parte do seu território. A visita não está confirmada oficialmente – mas a ideia de que a terceira figura na hierarquia dos EUA se prepara para visitar Taipé tem motivado uma retórica forte por parte de Pequim, que deixa em aberto a possibilidade de acções militares. 

As relações entre EUA e China estão azedas e a invasão da Ucrânia pela Rússia deu azo a muitos paralelos com a ambição chinesa de anexar a ilha. Há muitas diferenças entre o que se passa na Ucrânia e o que se poderá passar em Taiwan; e uma delas é o tipo de disrupção na economia global.

A guerra na Ucrânia pôs a Europa a fazer contas ao gás e o mundo a fazer contas aos cereais e à fome. Já Taiwan é um grande produtor mundial de chips, peças essenciais para o funcionamento de automóveis, dispositivos médicos, computadores, terminais de pagamento, e praticamente tudo o que seja electrónico, o que é praticamente tudo (incluindo armas – os EUA tiveram de extirpar componentes electrónicos de algum do armamento que enviaram para a Ucrânia, para não correrem o risco de estes componentes secretos caírem nas mãos dos russos).

 
           
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Taiwan é crucial no fornecimento global de chips. Estimativas apontam que o país conseguirá este ano dois terços do mercado mundial dos chips feitos por encomenda. Isto deve-se em boa parte à Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), a maior empresa do género, que tem como clientes a Apple e fabricantes de processadores como a AMD e a Nvidia. A TSMC é também uma das poucas empresas no mundo a conseguir produzir os chips mais sofisticados, a par da Samsung. E está a deixar para trás a rival sul-coreana.

Até a China é dependente dos chips de Taiwan, levando a que o sector seja chamado o "escudo de silício". A expressão assenta no argumento de que as fábricas taiwanesas são demasiado importantes para que o regime de Pequim possa arriscar uma invasão pela força. (Uma parte das instalações da TSMC está próxima das praias que as autoridades de Taipé consideram serem pontos prováveis para um ataque pelas forças chinesas, embora não haja indicações de que isto se deva a qualquer raciocínio militar.)

O mundo já experimentou no ano passado os efeitos de uma escassez de chips, provocada pela guerra comercial entre EUA e China, e pelas alterações nas dinâmicas de oferta e de procura durante a pandemia. Uma seca em Taiwan também não ajudou: este é um sector que consome água intensivamente.

EUA, Europa e China estão a tentar aumentar a produção própria de chips, embora tenham muito caminho a percorrer até algo que se aproxime da auto-suficiência. Nos EUA, o Senado aprovou há poucos dias legislação para subsidiar a construção de fábricas no país. Uma das empresas que espera beneficiar dos fundos é a TSMC, que está a construir uma fábrica no Arizona, mas que se tem deparado com custos mais elevados do que o previsto, em parte devido à falta de mão-de-obra especializada. 

E aqui reside uma das diferenças face à Ucrânia: chips e cereais são produtos muito diferentes. Não foi preciso muito para que a Rússia colocasse toneladas de cereais ucranianos em contentores (tal como fez com outras matérias-primas e equipamento, como tractores), levando-as para o próprio território e vendendo-as a outros países. Um cenário análogo não é possível com as fábricas de chips.

"Ninguém pode controlar a TSMC pela força. Uma força militar ou invasão vai tornar a fábrica da TSMC não operacional", disse este fim de semana o presidente do conselho de administração da empresa, Mark Liu, numa entrevista à CNN: "Porque estas são estruturas de fabrico tão sofisticadas que dependem da ligação em tempo real ao mundo exterior, à Europa, ao Japão, aos EUA. Dos materiais, aos químicos, às peças suplentes, ao software de engenharia, de diagnóstico…"

Resta ver quanto pesarão os minúsculos chips nas contas feitas por Pequim.