Vai ser um Agosto quente no interior, mas os excessos de Julho não deverão repetir-se
Especialistas prevêem um Portugal de duas faces em Agosto: temperaturas acima do normal no interior e ligeiramente abaixo da média no litoral. Ocorrência de uma onda de calor tão extrema como a de Julho parece, pelo menos para já, improvável.
Neste momento, as previsões a longo prazo do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) dizem ser improvável que, em Agosto, venhamos a ter o calor extremo que tivemos em Julho. Ainda assim, o mês poderá vir a ser, em algumas regiões de Portugal continental, um mês de temperaturas acima da média. Possivelmente, veremos um país de duas faces. No litoral, os termómetros deverão registar valores um pouco mais baixos do que os normais para a altura do ano. Já no interior, o calor deverá ser mais intenso do que já tende a ser.
Centrando-se nos primeiros sete dias de Agosto, Cristina Simões, meteorologista do IPMA, afirma que, depois do calor acrescido que se fez sentir este fim-de-semana, deverá haver uma ligeira descida generalizada das temperaturas. Mas as máximas deverão manter-se bastante altas no interior. “A primeira semana de Agosto deverá ser idêntica à última de Julho, com o litoral mais fresco e o interior com temperaturas mais elevadas. Regra geral, nada de demasiado anormal para a época do ano em que estamos”, aponta.
A meteorologista diz que, em Lisboa, as máximas deverão estar perto dos 30 graus nesta primeira semana de Agosto. Já no Porto, só algumas regiões é que deverão chegar aos 28 ºC. “O calor deverá ser maior nas zonas do interior onde é mais comum serem registadas temperaturas acima dos 35 ou até 40 graus”, revela, elencando distritos como Beja, Bragança, Castelo Branco, Évora e Guarda.
Pode ser que, em alguns destes territórios, as temperaturas se aproximem dos 40 ºC e venha a ser registada uma situação de onda de calor, que ocorre quando as máximas se mantêm cinco graus acima da média durante pelo menos seis dias seguidos. “Mas, caso se verifiquem, deverão ser ondas menos prolongadas [face à onda de Julho]”, indica Cristina Simões.
A meteorologista do IPMA sublinha que, segundo as previsões, é “improvável que em Agosto venhamos a verificar temperaturas tão severas como as que vimos em Julho”. “No mês passado, vimos algumas regiões com quase 50 graus de temperatura. Em Agosto, ou pelo menos nestes primeiros dias de Agosto, poderemos ter valores perto dos 40 graus, o que, nesta altura do ano, é habitual para certas zonas de Beja e Évora, por exemplo”, reforça.
Já não dá para negar os efeitos da crise climática
Julho foi um mês difícil (no mínimo). Os vários dias seguidos de temperaturas elevadas, tanto em Portugal como no resto da Europa, levaram a que fossem batidos vários recordes. No Reino Unido, os termómetros ultrapassaram a barreira dos 40 graus pela primeira vez. Por cá, a freguesia do Pinhão (Vila Real) chegou pela primeira vez aos 47 ºC, o que constituiu um recorde no mês de Julho para a região — e chegou perto da maior temperatura alguma vez registada em Portugal: 47,3 graus na freguesia alentejana de Amareleja, em 2003.
O calor agravou a seca que já vinha a assolar o país. E também acentuou o risco de incêndios, risco esse que viria a se materializar.
Ricardo Deus, climatólogo do IPMA, diz ao PÚBLICO que terão sido quase 60 as estações meteorológicas portuguesas que, pelo menos uma vez no mês de Julho, registaram temperaturas acima dos 40 graus. Ao todo, foram batidos recordes de temperatura em quase 100 estações, incluindo 40 recordes absolutos e 60 recordes respeitantes especificamente ao mês de Julho.
“São números bastante expressivos”, resume Ricardo Deus. “É normal termos períodos de grande calor, devido a massas de ar que vêm do Norte de África e chegam à nossa atmosfera muito quentes e secas. Mas a questão é que este foi um período com uma persistência muito grande em termos de dias”, diz o especialista, afirmando ser muito provável que este venha a ficar como “um dos meses de Julho mais quentes da História”.
Para o climatólogo, isto é um claro sintoma da acção humana, que tem alterado o clima do planeta. “Fenómenos extremos como os que vimos em Julho sempre aconteceram, é verdade. Mas estes fenómenos têm acontecido de forma mais frequente e intensa. E isso é consequência das alterações climáticas”, observa.
Algumas boas notícias no horizonte (e outras nem tanto)
Considerando um panorama que vai até à terceira semana de Agosto, Ricardo Deus diz que, “em regiões muito específicas do país”, como os Açores e, no caso de Portugal continental, o Alentejo, o interior centro e o Nordeste transmontano, as temperaturas máximas poderão vir a estar até três graus acima do normal para a altura do ano. “Isto não quer dizer que venhamos a ter uma nova onda de calor”, clarifica. “A previsão aponta para subidas face ao valor médio na ordem dos 0,25 a três graus. Se a temperatura estiver um grau acima do normal, é claro que não teremos uma onda de calor.”
O climatólogo diz que a probabilidade de virmos a ter uma nova onda de calor extrema, embora exista, não é muito elevada. “Há 40 a 60% de probabilidade de, nalgumas regiões do interior, as temperaturas virem a estar, durante alguns dias, dois a três graus acima da média. Isso é suficiente para gerar uma onda de calor nalguns locais? É. Mas a probabilidade de ocorrência é menor agora do que em Julho. E é muito pouco provável virmos a ter uma onda com a mesma prevalência, intensidade e extensão.”
Explicando que o risco meteorológico de incêndio depende de variáveis como a temperatura, a humidade e a precipitação, o especialista diz que, uma vez que as temperaturas deverão ser menos elevadas em Agosto do que em Julho, “pode ser que o risco venha a baixar um bocadinho”. “Mas tudo dependerá da evolução das variáveis. Temos de monitorizar”, diz, frisando, de resto, que “não há incêndios se não houver ignições”.
Olhando para Setembro (e ressalvando que, até lá, as previsões ainda podem mudar), Ricardo Deus explica que as indicações que os modelos do IPMA têm para Setembro são “muito semelhantes” às que têm para Agosto: temperaturas acima do normal (para a altura do ano) no interior e, talvez, um grau abaixo da média no litoral. “Os sinais relativos à precipitação estão dentro do normal para Setembro”, aponta o climatólogo, falando de uma “boa notícia” para o combate à seca.
Perspectivando um futuro mais distante (mas não tão longínquo assim), o especialista considera que há “uma forte probabilidade” de, no futuro, virmos a ter mais meses como este Julho que passou. “No início da pandemia, falou-se muito do ‘novo normal’. Também estamos a ficar com um ‘novo normal’ no clima. E o novo clima alicerça-se nesta maior frequência de eventos extremos”, avisa. “Temos de estar preparados e de nos adaptar.”