As décadas de desinformação sobre as alterações climáticas promovidas pela indústria petrolífera deixaram uma marca duradoura e levam muitas pessoas a duvidarem ainda hoje das provas científicas, adiantam investigadores sobre o tema.
A académica da Universidade de Harvard Naomi Oreskes, que escreveu sobre a história da desinformação sobre as alterações climáticas, considerou “uma tragédia” perceber que “milhões de americanos pensam que os cientistas estão a mentir, mesmo sobre coisas que estão provadas há décadas”.
“Eles têm sido persuadidos por décadas de desinformação. A negação é realmente profunda”, sublinhou Naomi Oreskes.
Um dos exemplos foi o memorando tornado público pelo jornal norte-americano The New York Times, em 1998, em que era revelada a estratégia agressiva das empresas americanas de combustíveis fósseis para reagir à assinatura do Protocolo de Quioto, no qual as nações se comprometeram a reduzir as emissões de carbono. O memorando mostrava que as empresas apostavam na desinformação para gerar a dúvida no debate público.
As empresas de combustíveis fósseis gastaram muito dinheiro para contrariar o apoio à redução de emissões de dióxido de carbono.
Agora, mesmo quando essas empresas promovem investimentos em energias renováveis, o legado de toda essa desinformação climática permanece e contribui para um maior cepticismo em relação aos cientistas e instituições científicas.
“Foi a abertura de uma caixa de Pandora de desinformação que se revelou difícil de controlar”, disse Dave Anderson, do Instituto de Políticas e Energia, uma organização que criticou as empresas petrolíferas e carboníferas por reterem a informação a que tinham acesso sobre os riscos das alterações climáticas.
Nas décadas de 1980 e 1990, quando passou a existir uma maior sensibilização para as alterações climáticas, as empresas de combustíveis fósseis investiram milhões de dólares em campanhas de relações públicas para rebaterem as provas que demonstravam a existência das mudanças em curso no planeta.
Uma das estratégias passou por financiar grupos de reflexão, supostamente independentes, que escolheram a dedo dados científicos e promoveram opiniões divergentes destinadas a fazer parecer que existiam dois lados legítimos na discussão.
Desde então, a abordagem abrandou à medida que o impacto das alterações climáticas se tornou mais evidente e as empresas de combustíveis fósseis passaram a promover energias renováveis, como a solar e a eólica, ou iniciativas concebidas para melhorar a eficiência energética ou compensar as emissões de carbono.
O investigador da Universidade de Stanford Ben Franta, também advogado, frisou que “o debate [sobre as alterações climáticas] foi fabricado pela indústria dos combustíveis fósseis nos anos 90, e estamos a viver com essa história neste momento”. “Vivemos dentro de uma extensa campanha de várias décadas executada pela indústria dos combustíveis fósseis”, acrescentou Ben Franta.
O impacto dessa estratégia reflecte-se em inquéritos à opinião pública, que mostram um fosso crescente entre republicanos e outros norte-americanos quando se trata de opiniões sobre as alterações climáticas.
Embora a percentagem de norte-americanos em geral que dizem estar preocupados com as alterações climáticas tenha aumentado, os republicanos estão cada vez mais resistentes em aceitar o consenso científico de que a poluição proveniente dos seres humanos está a impulsionar as alterações climáticas.
As empresas de combustíveis fósseis negam qualquer intenção de enganar o público norte-americano e apontam os investimentos em energias renováveis como prova de que levam a sério as alterações climáticas.
Numa declaração enviada por correio electrónico à agência de notícias Associated Press, a porta-voz do Instituto Americano do Petróleo, Christina Noel, afirmou que a indústria petrolífera está a trabalhar para reduzir as emissões, assegurando ao mesmo tempo o acesso a energia fiável e acessível.