Recebido em Belém, Ventura desafia Marcelo a assumir que “foi receptivo aos argumentos” do Chega
Líder do Chega quer que Marcelo use a sua “magistratura de influência” e diga a Augusto Santos Silva que deve mudar de comportamento. Presidente não se pronuncia sobre “problemas internos” do Parlamento.
À saída de uma audiência de 50 minutos com Marcelo Rebelo de Sousa em que explanou ao Presidente da República as queixas da bancada do Chega em relação às atitudes de Augusto Santos Silva, André Ventura deixou um desafio indirecto ao chefe de Estado para que publicamente assuma que “foi sensível” aos argumentos que lhe foram apresentados. O líder do Chega também fez questão de apontar que Marcelo é a única figura com “autoridade política” para chamar a atenção do presidente do Parlamento para o seu comportamento, mesmo que o faça de forma recatada.
“O que está em causa [em Augusto Santos Silva] não é apenas um comportamento pontual, circunscrito, mas uma atitude recorrente, intencional, racionalmente decidida, deliberada, de eleger o Chega como alvo e de sistematicamente atropelar o regimento da Assembleia da República”, acusou André Ventura.
“Chamámos a atenção de que, não sendo o Chega o único que se queixa dos atropelos sistemáticos ao regimento, com base na maioria absoluta que Augusto Santos Silva sente que tem a apoiá-lo, têm sido constantes os atropelos à liberdade, à acção dos partidos e à democracia parlamentar.”
Ventura extremou mesmo o discurso, afirmando que “disse ao Presidente que, ao não exercer nenhuma influência sobre o presidente da AR, a possibilidade de um escalar de conflito físico, verbal e político é real”. E acrescentou que “ninguém quer ver no Parlamento” cenas como as de outros países com deputados “quase à batatada”. E um aviso: “O ambiente está tenso; cabe-lhe a ele garantir que o ambiente serena.”
Marcelo Rebelo de Sousa acabou por falar aos jornalistas mas sob o pretexto das negociações entre os médicos do Hospital de São Francisco Xavier e a tutela – embora já tivesse comentado a demissão de manhã. E sobre as queixas de Ventura limitou-se a vincar: “A minha posição é sempre a mesma: não me pronuncio sobre problemas internos na Assembleia ou em qualquer outro órgão de soberania. É uma posição adquirida, está adquirida. A minha posição é esta e não vai mudar até ao fim do mandato.”
André Ventura vincou que lhe pareceu que Marcelo Rebelo de Sousa “foi receptivo” aos argumentos do Chega. “Independentemente das acções que venha a tomar, parece-nos que foi sensível à situação da maioria absoluta e possível mordaça sobre a democracia que o país enfrenta e parece-nos que o Presidente da República, como mais alta figura do Estado, foi sensível aos argumentos de cerceamento constante da liberdade.”
O líder do Chega fez questão de repetir amiúde a ideia da receptividade de Marcelo e, questionado pelos jornalistas sobre o que o leva a fazer essa interpretação e se não sente alguma frustração por o Presidente já ter anunciado que não ia tomar partido, André Ventura virou o foco para o chefe de Estado.
“Mais importante para nós do que o Presidente vir aqui ao lugar onde estou agora e dizer que o presidente da Assembleia esteve mal e que tem de mudar de comportamento, é que Marcelo Rebelo de Sousa fale com Augusto Santos Silva e lhe diga que isto não pode continuar.”
Pouco depois, haveria de insistir: “Se o Presidente da República vier aqui e disser que estou errado, se essa for a sua posição, eu próprio telefonarei a Marcelo Rebelo de Sousa logo à noite a pedir desculpa [pela interpretação errada].”
Antes, Ventura queixara-se de ser “inédito” ter o presidente do Parlamento a “comentar uma iniciativa legislativa de um partido” – na verdade, Santos Silva comentou a forma como o líder do Chega falou dos imigrantes durante o tempo que lhe foi concedido para apresentar o seu projecto de lei mas sobre o qual, na realidade, não falou. No seu estilo de vitimização, disse ser preciso recuar 500 anos (ao tempo das Cortes) para encontrar um órgão de soberania que rejeita uma censura sobre ele próprio.
As “ambições pessoais” de Santos Silva e o conflito “físico"
“Tudo isto leva a que tenhamos dito ao Presidente que compreendemos a sua necessidade de recato institucional e de conciliador, como o próprio disse ontem [quinta-feira], em nome da união e da unidade, mas que só ele neste momento pode ter a autoridade política de chamar a atenção de Augusto Santos Silva”, apontou Ventura, insistindo: “Só há uma autoridade política capaz de chamar a atenção verdadeiramente de Augusto Santos Silva para que não passe a um conflito permanente na Assembleia com uma escalada de conflito verbal e político e essa autoridade é o Presidente.”
“Fiquei convencido, pela reunião que tivemos, que o Presidente foi sensível aos nossos argumentos e que tudo fará, ainda que de forma discreta, como tem sido seu apanágio em termos de acção política, para chamar a atenção de que a escalada de conflito não interessa a ninguém”, disse ainda o líder do Chega, salientando que “o que está em causa são ambições pessoais” de Santos Silva, numa referência a uma futura candidatura à Presidência da República.