Papa interrompido por protestos contra ocupação de terras indígenas
Uma missa presidida pelo Papa foi interrompida por um protesto contra a doutrina do século XV que reconheceu aos colonizadores o direito de ocupar terras indígenas. Francisco está no Canadá para pedir desculpa aos povos indígenas pelo antigo sistema abusivo de escolas residenciais.
Uma acção de protesto contra a chamada doutrina das descobertas interrompeu, esta quinta-feira, uma missa presidida pelo Papa Francisco na Basílica de Santa Ana de Beaupré, no Québec, durante uma visita ao Canadá. A doutrina do século XV justificava a conquista de terras, reconhecendo aos colonizadores europeus o direito de as ocupar.
Os manifestantes mostraram uma faixa onde se lia Rescind the doctrine (em português, “Rescindir a doutrina") — ou seja, em que se pedia que o Papa revogasse oficialmente os éditos do século XV com que o papado justificou a conquista de terras indígenas. A mensagem foi erguida entre a primeira fila de bancos e o altar, diante da congregação, quando Francisco dava início à eucaristia. A maioria dos presentes na igreja era indígena.
Foram duas mulheres a levantar o lençol branco com letras vermelhas e negras pintadas. Não ficou claro se o Papa, que se encontrava por detrás da faixa, conseguiu ler o que dizia.
A doutrina das descobertas foi consagrada em bulas pontifícias ou éditos do século XV. Há anos que os povos indígenas no Canadá reivindicam a sua revogação. Em 2015, a Comissão de Verdade e Reconciliação do Canadá, que passou seis anos a investigar escolas residenciais, declarou o seu repúdio num dos 94 apelos à acção que apresentou.
O Papa Francisco está numa viagem de uma semana no Canadá para pedir desculpa pelo papel da igreja no sistema abusivo de escolas residenciais, que retirou crianças indígenas das suas casas para integrarem um programa de assimilação cultural forçada.
Um porta-voz da organização da visita do Papa confirmou que os bispos canadianos têm pedido ao Bispo de Roma que aborde a questão da doutrina das descobertas. “Galvanizados pelos apelos dos nossos parceiros indígenas, e pelas observações do Santo Padre, estamos a trabalhar com o Vaticano e com aqueles que estudaram esta questão, com o objectivo de emitir uma nova declaração da Igreja”, escreveu Laryssa Waler num e-mail, citada pela Reuters nesta quinta-feira.
“Os Bispos do Canadá continuam a rejeitar e resistir às ideias associadas à doutrina das descobertas da forma mais vigorosa possível.” Massimo Faggioli, professor de teologia e estudos religiosos na Universidade de Villanova, em Ontário, admitiu que era pouco provável que o Papa revogasse formalmente a doutrina, mas que a deveria abordar.
“A Igreja não funciona assim. Não publica um documento a dizer: “Agora decidimos que esta velha doutrina já não é verdadeira”, explicou. “O que a Igreja faz é produzir novos documentos com novas doutrinas que substituam as velhas doutrinas. Creio que [o Papa] deva abordar essa questão, e que o fará. Mas não com um documento oficial.”
O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, também “debateu a necessidade de abordar a doutrina das descobertas” numa reunião com o Sumo Pontífice na quarta-feira, de acordo com uma nota do seu gabinete nesta quinta-feira.