Valorizar a natureza
Para além da guerra, que teima em continuar, os incêndios, a inflação e as alterações climáticas, que nos presenteiam com verões cada vez mais secos, são os “temas quentes” das notícias. As pessoas, cansadas, estão apenas preocupadas com o custo de vida e o calor que aperta, algumas em casas sem condições, outras em zonas rurais ameaçadas pelos incêndios. As temperaturas elevadas e a seca são tema de explicações por cientistas, convidados a intervir em telejornais, e o estado do ambiente acaba por se resumir ao problema energético e à necessidade urgente em desenvolver medidas para acelerar a economia circular e a transição completa para as energias renováveis.
Não é por isso de estranhar a indiferença da sociedade perante medidas legislativas, avulsas e oportunistas, que adiam a responsabilidade e o empenho de Portugal em cumprir as obrigações europeias para minimizar a perda de diversidade e activar estratégias de conservação. Pelo contrário, valorizam medidas que podem retirar barreiras “burocráticas”, que existem, para permitir a utilização de terrenos que impedem o “desenvolvimento económico” imediato.
Portugal é o quarto país da Europa com mais espécies em risco de extinção, ameaçadas pela agricultura intensiva, expansão urbana, poluição, silvicultura insustentável, espécies exóticas invasoras e alterações climáticas. Infelizmente, a perda de biodiversidade e a degradação dos ecossistemas são fenómenos globais. Avaliações recentes da Agência Europeia do Ambiente mostram que a maioria das espécies e habitats protegidos não apresenta actualmente um bom estado de conservação.
A natureza providencia comida, água e ar limpos, madeira, têxteis, recursos medicinais, solo fértil e lugares para reflectir, recrear e brincar. No entanto, habituámo-nos a tomar a natureza como certa, vendo-a como um recurso “gratuito” do qual podemos obter não apenas o que precisamos, mas também o que queremos. Esquecemos que foram as condições do planeta Terra que permitiram o aparecimento da vida e criaram o ambiente necessário para a evolução do Homo sapiens. Ainda hoje não podemos viver sem a natureza e, apesar de não termos consciência, estamos cada vez mais dependentes de ecossistemas saudáveis e resilientes para garantir o bem-estar e alimentação da população.
A estratégia de biodiversidade da União Europeia para 2030 considera que mais da metade do produto interno bruto global depende da natureza, o que reforça a necessidade de a valorizar. Mas se alguns benefícios são mais tangíveis e relativamente fáceis de quantificar, como as colheitas, pesca e madeira, outros, como a qualidade do solo, água e ar limpos, são mais difíceis. Isso torna a compreensão e o reconhecimento do verdadeiro valor da natureza mais importante do que nunca. Valorizar os serviços que recebemos da natureza pode também fornecer uma nova fonte de soluções para alguns dos problemas mais prementes da actualidade, como a urbanização e poluição, melhoria e estabilização de áreas rurais através da protecção de espécies e habitats, ajudando a explorar os valores ambientais e sócio-culturais da natureza.
À medida que nos tornamos mais conscientes da finitude dos recursos naturais, devíamos encontrar maneiras de compreender as consequências de explorações económicas de curto prazo. Torna-se muito mais barato, e proveitoso, proteger a natureza do que restaurá-la depois. O caso de Valpaços, há mais de 30 anos, é um exemplo. A população lutou contra a plantação de eucaliptos e ainda hoje é uma zona onde o fogo, felizmente, não chegou.
Há actualmente uma desvalorização dos espaços florestais que leva ao seu abandono ou à exploração por espécies de lucro fácil e de curto prazo. Os matos, os bosques e matas mediterrânicas, na visão actual, são “improdutivos” e onerosos pela sua manutenção. As políticas apenas incentivam florestas produtivas onde a biodiversidade é pobre e facilmente acessível a pragas ou “acidentes” de grandes proporções, como os incêndios. No litoral, as zonas dunares e costeiras, ou os sapais e estuários, continuam a ser apetecíveis e, mesmo em zonas de Rede Natura ou Reserva Ecológica Nacional, são reclamadas pelas autarquias para as libertar e facilitar a sua exploração turística. Esquecemos que uma das oportunidades turísticas de Portugal é valorizar a natureza, que ainda temos, e tomar as decisões sociais e políticas correctas, ajudando as populações a tirar partido e a explorar um bem, em prol de todos.
Conservar espécies e habitats, valorizando a natureza, devia ser a melhor forma de levar em conta os benefícios que os ecossistemas nos fornecem e deviam ser desafios centrais e urgentes para as próximas décadas. Infelizmente, estes valores são continuamente obscurecidos por outras prioridades políticas e económicas apresentadas como de elevado interesse para as comunidades. A história continua a oferecer-nos muitas lições que mostram como o ambiente natural é tratado como um recurso gratuito e as medidas que surgem servem apenas para “tapar o sol com a peneira”, centradas exclusivamente na economia de curto prazo.
Urge reconhecer que a valorização da natureza é um processo complexo que necessita de uma abordagem transdisciplinar e não focada apenas do ponto de vista económico. Significa desenvolver maneiras pelas quais a pluralidade de valores, sociais, ambientais e económicos, são apresentados e defendidos em termos que permitam a valoração da natureza, tanto monetária quanto social, de forma quantitativa e qualitativa. Reconhecer e desenvolver maneiras pelas quais diferentes abordagens de avaliação podem ser aproveitadas como uma base de reforço mútuo para a tomada de decisões informadas, deveria ser o maior desafio para conservar a natureza e evitar a perda de biodiversidade.