Slowmads: os novos nómadas digitais querem calma e também viajam por Portugal. Devagarinho
Têm a paixão das viagens, só buscam trabalho remoto e flexível, são mais velhos que os nómadas digitais do íncio do boom e andam pelos 30/40 anos. Em comum, menos correrias, sem a “prisão” do escritório, e preocupações com impacto ambiental. No Alentejo, prepara-se um projecto para acolher estes profissionais.
Sentado no terraço de um café no coração de Lisboa, numa destas manhãs de Junho, o especialista em vendas Victor Soto estava ocupado no trabalho a comunicar com colegas de toda a Europa e América.
Foi a pandemia da covid-19 que levou o britânico-peruano, de 33 anos, a tornar-se o chamado “nómada digital”.
“Este estilo de vida dá-me muita escolha e liberdade”, disse à Fundação Thomson Reuters. Soto tomou a decisão de trabalhar apenas para empresas que oferecem trabalho totalmente remoto a fim de satisfazer a sua paixão pelas viagens.
Soto faz agora parte de uma tendência crescente entre os nómadas digitais que procuram um ritmo de vida menos frenético. Estes novos slowmads ainda viajam pelo mundo levando consigo o seu trabalho, mas optam por passar mais tempo num local – alguns para desfrutar de uma experiência cultural mais rica, enquanto outros são movidos pelo desejo de se tornarem mais ecoconscientes.
O trabalho remoto e flexível tem aumentado desde que as restrições relativas ao coronavírus foram sendo levantados a nível mundial, com grandes empresas, da AirBnB ao Twitter, a abraçarem o sistema. Assim como um crescente número de nações que emitem vistos para nómadas digitais: estes permitem às pessoas permanecer e trabalhar no território até dois anos [o caso português aqui, a “vila” para nómadas digitais da Madeira aqui].
O perfil típico do nómada digital está a mudar, agora que se juntam aos mais frenéticos na casa dos 20 anos os trabalhadores dos 30 e 40 anos, que viajam com parceiros e crianças, dizem os especialistas e investigadores.
Mas as preocupações com o seu impacte ambiental estão a crescer. Enquanto dados sobre a pegada de carbono dos nómadas digitais são ainda escassos, os slowmads esforçam-se por voar menos, permanecer em alojamentos sustentáveis e investir ou contribuir para projectos verdes.
No entanto, os defensores do clima não estão convencidos, referindo que o fenómeno social ainda depende das viagens aéreas, que produzem até 3% das emissões globais de gases com efeito de estufa.
“Penso que nos sentimos um pouco culpados, porque a principal questão com este estilo de vida é o voo”, diz Emmanuel Guisset, um antigo nómada digital que é agora chefe executivo da Outsite, empresa que arrenda espaços partilhados, incluindo para trabalhadores remotos.
Abrandar o ritmo
Antes da pandemia, o estereótipo do freelancer era um jovem na casa dos 20 anos, a saltitar entre locais soalheiros e desportivos, levando consigo pouco mais do que um par de calções, chinelos e um portátil.
Agora, mais pessoas estão a combinar trabalho com viagens cada vez mais tarde na vida – muitas vezes ficando mais tempo num único local para poderem beneficiar de rendas mais baratas e para melhor apreciarem (e contribuírem para) a cultura local.
Uma pesquisa publicada em Maio, da responsabilidade do sistema de freelancers Fiverr para a editora de guias de viagens Lonely Planet, conclui que um terço dos nómadas inquiridos mudavam de local de um a três meses, enquanto 55% gostava de trabalhar no mesmo local e de se mudar depois de três meses ou mais.
Os americanos constituem a maioria dos nómadas digitais. Um estudo de 2021 da Upwork sobre os hábitos de contratação de gestores estimou que 36,2 milhões de cidadãos norte-americanos vão trabalhar remotamente até 2025, um aumento de 87% em relação aos níveis pré-pandémicos. As mecas turísticas têm sido rápidas a abraçar os nómadas digitais e vêem a tendência crescente de permanecer mais tempo num local como uma forma de recuperar as perdas resultantes das restrições e confinamentos pandémicos.
Destinos como Aruba, Barbados, Cabo Verde, Croácia, Estónia, Indonésia, Malta e Noruega criaram vistos digitais nómadas, permitindo que as pessoas permaneçam e trabalhem nos territórios por até dois anos.
A empresa de arrendamento de alojamentos AirBnB registou um aumento de 90% nas reservas a longo prazo em Portugal no ano passado, em comparação com 2019, o que, segundo a empresa, reflecte o facto de mais pessoas estarem a tirar partido da possibilidade de trabalhar e viver em qualquer lugar.
No entanto, os nómadas digitais admitem que ainda há muitos voos envolvidos, especialmente desde a flexibilização das restrições da covid-19, embora os especialistas digam que é difícil identificar a quota de voos “nómadas” em comparação com os passageiros de turismo e negócios.
Denise Auclair, perita em aviação corporativa do grupo europeu de campanha para transportes limpos, Transportes e Ambiente (T&E, na sigla em inglês), diz que existe “uma oportunidade de ouro” para continuar com o nível reduzido de viagens de negócios registado durante a pandemia, assim como para reduzir os voos desnecessários.
Mas Auclair questiona se as empresas estão a incluir a pegada de carbono dos empregados que trabalham como nómadas digitais nos seus relatórios anuais de emissões.
Por outro lado, Guisset, da Outsite, refere que que os nómadas estão cada vez mais a recorrer às compensações de carbono, através das quais as pessoas procuram compensar o seu impacto climático financiando projectos que reduzam as emissões – através de actividades como a plantação de árvores.
Alguns grupos ambientais, contudo, descartam estes esquemas de créditos de carbono que consideram “de fachada”. “Dá às pessoas uma falsa sensação de voar verde, quando há tantos problemas relacionados a isso”, defende Dewi Zloch, especialista em aviação da Greenpeace Holanda.
Zloch aponta a investigação feita para a Comissão Europeia, que conclui que os esquemas de compensação de carbono não estão a proporcionar reduções reais e mensuráveis de emissões.
Dream Factory, uma vida mais verde no Alentejo?
Entretanto, o boom do trabalho à distância, impulsionado pela pandemia, tem encorajado a criação de espaços de co-living e co-working, de partilha de alojamento e de trabalho, alguns dos quais estão a tentar pôr em prática “ideias verdes”.
Quando a Outsite começou com a sua propriedade de alojamento partilhado na Califórnia, a empresa plantou uma árvore por cada reserva feita em locais que vão desde as montanhas dos Andes à Indonésia.
A Traditional Dream Factory, um espaço partilhado que está a ser criado no Alentejo [zona de Abela, Santiago do Cacém], deverá abrir portas no Verão de 2023 e está a tentar levar a cabo um projecto mais ambicioso. O co-fundador Samuel Delesque disse que o objectivo é criar uma comunidade de nómadas digitais, engenheiros, artistas e empresários das criptomoedas que também irão regenerar a terra.
A organização já começou a cobrir áreas desmatadas com culturas fixadoras de azoto e plantou centenas de árvores. Planeia também isolar os seus alojamentos e criar piscinas naturais e chuveiros para poupar água e tornar-se auto-suficiente.
Antigo engenheiro de software e nómada digital, Delesque planeia expandir-se em países como a África do Sul e os Estados Unidos. Cuidar do ambiente está no centro do seu projecto, garante o empresário franco-dinamarquês: “Se não conseguirmos alinhar os valores económicos com (os) ecológicos, então estamos realmente condenados como espécie”.
A Thomson Reuters Foundation é uma organização de beneficência da Thomson Reuters definindo-se como dedicada a “reportar as vidas de pessoas em todo o mundo que lutam para viver livremente ou de forma justa”.
Tradução: Luís J. Santos