Tunisinos aprovam Constituição que reforça poderes do Presidente

Apesar de uma participação baixa no referendo de segunda-feira, o caminho está aberto para que Kais Saied tenha controlo absoluto sobre o poder judicial e legislativo.

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Apoiantes de Kais Saied celebram a vitória do "sim" no referendo constitucional MOHAMED MESSARA / EPA

O Presidente tunisino, Kais Saied, celebrou o início de “uma nova fase” na história do país com a vitória da sua proposta de reforma constitucional no referendo de segunda-feira. As projecções indicam que uma esmagadora maioria dos eleitores que se deslocaram às urnas votou a favor da reforma que vai reforçar os poderes presidenciais e cujos críticos dizem poder vir a instalar um novo regime autoritário na Tunísia.

De acordo com a comissão eleitoral, votaram cerca de 27,5% dos eleitores inscritos, um número baixo, mas, ainda assim, superior ao que algumas sondagens indicavam nos últimos dias, sobretudo depois de a oposição a Saied ter apelado ao boicote. De qualquer forma, não tinha sido fixado qualquer patamar mínimo de participação eleitoral para que os resultados fossem validados.

As projecções conhecidas já perto da meia-noite de segunda-feira apontavam para uma vitória do “sim” à proposta de elaboração da nova Constituição entre os 92 e os 93%.

Fica, desta forma, o caminho aberto para o enterro definitivo da Constituição democrática saída da revolução da Primavera Árabe, em 2011, que teve na contestação e posterior afastamento do ditador Ben Ali o seu início.

O novo texto reforça os poderes presidenciais, permitindo ao chefe de Estado nomear um Governo sem ter necessidade de aprovação parlamentar ao mesmo tempo que torna praticamente impossível a sua destituição. As iniciativas legislativas do Presidente passam também a ter prioridade nos trabalhos parlamentares.

Assim que as projecções foram reveladas, alguns apoiantes de Saied desfilaram pelas ruas de Tunis, apitando as buzinas de carros e agitando bandeiras do país. Por volta das duas horas da madrugada, o Presidente saudou o que descreveu como “uma nova fase” para o país e mostrou-se agradado com a participação eleitoral. No seu discurso, Saied adoptou um tom sombrio ao garantir que “todos aqueles que cometeram crimes contra o país serão responsabilizados pelas suas acções”.

O referendo aconteceu exactamente um ano depois de Saied ter dissolvido o Parlamento e demitido o primeiro-ministro ao abrigo de uma declaração de estado de emergência que lhe permitiu governar por decreto desde então.

A oposição acusa Saied de estar a edificar um novo regime autoritário, mas o Presidente eleito em 2019 com um discurso “anti-sistema” continua a manter uma forte popularidade entre os tunisinos, embora aumentem os receios junto da população. Uma coligação de partidos oposicionistas liderados pelos islamistas moderados do Ennahda, o maior no Parlamento que foi dissolvido há um ano, disse que o Presidente “falhou miseravelmente o objectivo de garantir apoio popular para o seu golpe” e exigiu a sua demissão.

A maioria do eleitorado parece, no entanto, estar alheada da crise política que se vem arrastando. No topo das preocupações está o desemprego maciço que atinge 40% da população mais jovem e a percepção de que as promessas de um sistema democrático saídas da Primavera Árabe se revelaram goradas.

“A Tunísia é um exemplo claro de como as perspectivas dos líderes internacionais acerca da transição democrática são distorcidas, na melhor das hipóteses”, diz a presidente do Centre for Internacional Policy, Nancy Okail, citada pelo Guardian. “Embora a Tunísia estivesse no caminho certo das reformas políticas, os desafios económicos associados à corrupção já faziam soar os alarmes bem antes da presidência de Saied”, acrescenta. “Uma concentração dos poderes foi a sua resposta aos desafios.”

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