Organismo europeu de luta contra a fraude investigou caso das golas antifogo

Protecção Civil devolveu comparticipação comunitária de mais de 833 mil euros, mas isso não demoveu OLAF de prosseguir investigação.

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O DCIAP deduziu acusação contra 14 pessoas e cinco empresas no chamado caso das golas DATO DARASELIA

O caso das golas antifogo foi investigado pelo organismo europeu de luta contra a fraude, o OLAF, para o qual o Ministério Público remeteu vários documentos que constam do inquérito judicial no qual foram acusados um ex-secretário de Estado e o general que superintendia à Autoridade Nacional de Protecção Civil até o escândalo rebentar.

O facto de a Protecção Civil ter restituído, no final de 2020, 833,4 mil euros de comparticipações comunitárias que lhe tinham sido dadas no âmbito dos programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras” não demoveu imediatamente o OLAF de continuar a investigar esta atribuição de fundos. Em Novembro passado, uma dirigente do organismo europeu pediu ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) que lhe reencaminhasse cópias de vários documentos que integram o inquérito judicial português. O organismo de luta antifraude só arquivou a investigação já este ano.

Como se tratava de mera documentação administrativa proveniente das entidades que, em Portugal, gerem estes fundos, o DCIAP satisfez o pedido do OLAF, muito embora a magistrada titular do processo criminal tivesse avisado este organismo de que, como ainda se encontrava em vigor o segredo de justiça, tinha de ser garantida a absoluta confidencialidade da informação – sob pena de o próprio OLAF incorrer em responsabilidade criminal.

A investigação do organismo anti-fraude foi, de resto, suscitada por uma comunicação que lhe foi endereçada pela própria titular do processo no DCIAP, a procuradora Ana Mendes de Almeida, escassos meses depois da abertura do inquérito.

Em causa neste caso está a contratação de material de protecção e de sensibilização anti-incêndios destinado a ser distribuído às populações do interior do país. A despesa prevista ascendia a cerca de dois milhões de euros, mas a entidade nacional responsável pela gestão dos fundos europeus em território nacional chumbou à partida algumas das candidaturas da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, razão pela qual o financiamento se ficou pelos 833,4 mil euros.

Sucede que parte deste material, como as golas, não fornecia a devida protecção perante o fogo, tendo o Ministério Público concluído que o projecto lançado pelo Governo serviu sobretudo para dar dinheiro a ganhar a empresários das relações do secretário de Estado da Protecção Civil e dos seus colaboradores mais próximos, que estariam conluiados com os dirigentes da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil.

Um relatório elaborado pela entidade gestora em Abril de 2020 dava conta de que parte das firmas escolhidas para fazer os fornecimentos nem sequer estavam habilitadas para tal. Aquela que ficou mais conhecida, a Foxtrot Aventura, limitava-se a pouco mais do que a gerir um parque de campismo, razão pela qual teve de subcontratar o fornecimento das golas antifogo a outras empresas. Mas houve mais casos semelhantes, apesar de as normas em vigor para a atribuição dos fundos proibirem a subcontratação.

Pior: o Governo deu carácter de urgência a estes fornecimentos, alegando que os materiais deviam ser distribuídos antes de começar a época dos fogos, até Junho de 2018. Por isso, foram dispensados os concursos públicos e optou-se por recorrer ao mecanismo da consulta prévia, em que são convidadas a apresentar propostas apenas algumas empresas.

Porém, em meados de 2020, muito do material comprado pela Protecção Civil continuava armazenado nas instalações dos Comandos Distritais de Operações de Socorro – situação considerada tanto mais gravosa pelo relatório em causa “atendendo a que o argumento da urgência imperiosa foi invocado na escolha de um procedimento por vezes com menor formalismo legal”, precisamente a consulta prévia.

Antes de sair da Protecção Civil, no final de 2020, o seu presidente Mourato Nunes, um dos arguidos deste processo, defendeu publicamente que as golas eram meros brindes destinados a sensibilizar as populações, e não a protegê-las efectivamente, e que a candidatura aos fundos comunitários teria deixado explícito esse aspecto. Não foi, porém, isso que entendeu o Ministério Público.

Insatisfeitas com os resultados da análise às golas feitas num domingo do Verão de 2019 pelo Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, e dirigida pelo investigador Domingos Xavier Viegas, as procuradoras que intervieram no processo pediram, quase dois anos depois, novas perícias à Sociedade Portuguesa de Pneumologia e ao Citeve – Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário. Que concluíram que elas apresentavam um grau de protecção muito baixo das vias respiratórias em caso de inalação do fumo dos incêndios, o mesmo sucedendo relativamente às superfícies expostas do corpo que deviam proteger: cara e pescoço. Razões pelas quais não deviam ser usadas.

Perante isto, o DCIAP não hesitou em escrever, na acusação que deduziu contra 14 pessoas e cinco empresas, que as golas “criaram um risco acrescido” para a segurança das populações, “resultante do engano que podiam suscitar”.

Artigo corrigido com a informação de que a investigação do organismo europeu anti-fraude foi entretanto arquivada

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