Bruxelas ameaça levar Portugal a tribunal se não acabar “discriminação” dos professores contratados
Governo tem dois meses para mudar a lei, insta Comissão Europeia. Estes docentes auferem sempre o salário mínimo da carreira independentemente do número de anos de serviço, ao contrário dos colegas do quadro.
A Comissão Europeia ameaça levar o Estado português ao Tribunal de Justiça da União Europeia se o país não resolver o tratamento “discriminatório” dos professores contratados, que não pertencem aos quadros. Em causa estão as condições dadas a estes docentes que recebem sempre o mesmo salário, o mais baixo da carreira, que vai pouco além dos 1000 euros mensais líquidos, mesmo que estejam a dar aulas há uma ou duas décadas.
A comissão tinha aberto, em Novembro, um procedimento de infracção contra Portugal por incumprimento da legislação da UE devido ao que considerava ser um tratamento discriminatório dos professores contratados. O Estado português respondeu formalmente, já no início deste ano, às acusações de Bruxelas. No entanto, “na sua resposta, Portugal não pôde justificar as diferenças de tratamento”, entende o organismo presidido por Ursula von der Leyen.
Por isso, Bruxelas enviou, na semana passada, um parecer fundamentado a Portugal, a segunda etapa de um procedimento de infracção contra os Estados da União. “Portugal dispõe agora de dois meses para tomar as medidas necessárias”, insta a Comissão Europeia, em comunicado. Caso contrário, pode remeter o país para o Tribunal de Justiça da União Europeia.
Segundo o executivo europeu, a legislação portuguesa prevê condições de emprego menos favoráveis para os professores contratados a termo que trabalham nas escolas públicas portuguesas do que para os professores permanentes, nomeadamente em termos de salário e antiguidade.
Os professores contratados auferem sempre o mesmo salário, o mais baixo da carreira, que vai pouco além dos 1000 euros líquidos, independentemente do número de anos que levam na carreira.
Bruxelas revela ter preocupações com base no princípio da não-discriminação, sustentando que a legislação da União Europeia, nomeadamente o acordo-quadro anexo à Directiva 1999/70/CE do Conselho, prevê que as diferenças de tratamento só são permitidas se forem justificadas por razões objectivas. O executivo comunitário sustenta que tal justificação não existe na legislação portuguesa.
Desde Novembro que o Ministério da Educação tem mantido silêncio público sobre este caso. Na altura, o gabinete do então ministro, Tiago Brandão Rodrigues, adiantou apenas que o procedimento aberto pela Comissão Europeia estava ainda a ser analisado, reservando para mais tarde um comentário sobre o assunto.
Processo aberto em Novembro
O PÚBLICO insistiu nas questões ao longo dos últimos meses, tentando conhecer a argumentação usada pelo Estado português na resposta ao procedimento de infracção aberto por Bruxelas. No entanto, a tutela nunca chegou a responder.
Em face do agravamento do caso que significa o envio do parecer fundamentado pela Comissão Europeia na semana passada, o Ministério da Educação voltou a ser questionado. O gabinete de João Costa, que é agora titular da pasta, também não respondeu às questões enviadas.
O processo aberto em Novembro por Bruxelas referia limitações na legislação nacional, mas apontava adicionalmente o caso específico dos Açores, onde a legislação “não prevê medidas adequadas para evitar eventuais abusos que possam resultar da utilização de sucessivos contratos de trabalho a termo”.
A região autónoma já não é visada no comunicado agora tornado público pela Comissão. No final do ano passado, o Governo dos Açores garantia já ter introduzido alterações ao regime de contratação de professores que permitiram resolver o problema de recurso abusivo a contratos a termo, que era apontada por Bruxelas.
Em causa estava o facto de, ao contrário do que aconteceu no continente em 2015, a região autónoma não ter transposto para a sua legislação a directiva europeia que proíbe o recurso abusivo a contratos a termo. Por imposição de Bruxelas, o Ministério da Educação, na altura liderado por Nuno Crato, criou a chamada “norma-travão”, que garante a entrada nos quadros aos professores contratados que cumprem um determinado número de preceitos. A região passou a ter uma solução semelhante à que já existe no continente, permitindo a entrada de mais de 300 docentes no quadro no início deste ano lectivo.