E se déssemos nome às ondas de calor, tal como às tempestades?
Proposta de sociedade científica para ajudar a tornar mais concretos os riscos destes fenómenos meteorológicos extremos.
As ondas de calor devem ter nomes, como os furacões e as tempestades, para que as pessoas tenham uma melhor percepção dos riscos associados, propõe a Sociedade de Fisiologia, que agrupa cientistas de 160 países e é a maior organização científica desta área na Europa, que se concentra na compreensão de como o corpo funciona.
“Para ajudar a consciencializar a população da ameaça que representam as ondas de calor, estas devem ter nomes tal como as tempestades. Torna claro que há riscos para a saúde e que as pessoas não devem esperar continuar a sua vida normal quando há uma onda de calor. Ajudará a comunicação das agências do Governo e dos media” quando se verifica um fenómeno meteorológico extremo, como o que está a afectar o Reino Unido e grande parte da Europa, explicou Mike Tipton, da Universidade de Portsmouth e da Sociedade de Fisiologia, citado num comunicado de imprensa.
Ao contrário do que sucede nos Estados Unidos e no Pacífico, onde os furacões têm nomes humanos desde há muito, em Portugal a primeira tempestade a ser baptizada data de 2017. Chamou-se Ana. E desde então esta prática manteve-se, devido a um projecto conjunto de Portugal (através do Instituto Português do Mar e Atmosfera, IPMA), de Espanha (AEMET) e de França (MéteoFrance).
A ideia de dar nomes a ondas de calor não é inédita: Sevilha, em Espanha, começou a desenvolver um sistema para vir a baptizar as ondas de calor, como parte de uma experiência-piloto do projecto internacional ProMETEO, uma iniciativa do Centro de Resiliência da Fundação Rockefeller-Adrienne Arsht do Conselho do Atlântico (um think tank norte-americano no campo das relações internacionais) que envolve várias cidades no mundo, para experimentar formas de adaptação às alterações climáticas.
No âmbito do projecto ProMETEO, foi desenvolvido um programa para prognosticar ondas de calor com vários dias de antecipação e classificá-las em diferentes níveis de gravidade, e decidiu já que a primeira a ter nome se chamará Zoe. Só no nível mais grave é que teriam nome. E, segundo disse ao jornal Viva (de Sevilha) um porta-voz do ProMETEO, mesmo a onda de calor que agora passou, com temperaturas de 44 graus em alguns locais, “não foi suficientemente grave para ser classificada no nível 3, que implicaria accionar o protocolo para a difusão de medidas de autoprotecção da população”.
A proposta da Sociedade de Fisiologia é feita num relatório dirigido ao Governo britânico – o Reino Unido atravessou esta semana a maior onda de calor de que há registo, com temperaturas que ultrapassaram pela primeira vez os 40 graus – e faz algumas recomendações sobre políticas de resposta às alterações climáticas e o seu impacto na saúde humana, e identifica algumas áreas em que é necessário fazer-se mais investigação.
“Dado que é a ciência que procura explicar como funciona o corpo, a fisiologia tenta explicar também o impacto do calor na saúde. Podemos usar este conhecimento para recomendar formas de nos mantermos frescos e conceber sistemas de alerta precoce adequados à população mais vulnerável, ou às pessoas que têm de trabalhar sob os efeitos do calor”, justificou Mike Tipton. “Este conhecimento pode ajudar a conceber um planeamento urbano e uma arquitectura inteligentes, que serão necessários para enfrentar um futuro mais quente”, disse o cientista.
As recomendações são variadas. Por exemplo, usar a ciência da fisiologia para criar regras de trabalho seguras em ambientes extremos, e para ajudar a desenvolver e avaliar dietas sustentáveis e “proteínas alternativas que satisfaçam as necessidades nutricionais, mas reduzam as emissões de metano da pecuária e a quantidade de terra destinada à agricultura”.