Estes ovos de tartaranhão-caçador foram resgatados e as crias já voam em liberdade

Estas aves fazem o ninho no solo e muitos ovos e crias acabam por ser destruídos por máquinas agrícolas. Há um projecto que tenta ajudá-las e devolver crias à natureza.

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Algumas das crias de tartaranhão-caçador que eclodiram após o resgate dos ovos João Santos

O tartaranhão-caçador está em risco de desaparecer em Portugal e, para o tentar salvar, foram libertados 21 exemplares juvenis desta espécie em Castro Verde (distrito de Beja), na terça-feira. São as mesmas crias que nasceram depois de alguns ovos terem sido resgatados de zonas onde estavam em risco de serem destruídos. Foram incubados, eclodiram e foram preparados para serem devolvidos à natureza, o que aconteceu “com sucesso”.

O Alentejo é uma das regiões em que esta ave (Circus pygargus, também conhecida como águia-caçadeira) mais gosta de estar e é um dos locais importantes para a sua reprodução. O corte precoce das culturas de feno faz com que os ninhos, ovos e crias sejam muitas vezes destruídos por máquinas agrícolas.

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Ainda que estas pequenas aves só tenham sido libertadas em Julho, o plano começou já em Março. O primeiro passo foi a “prospecção e localização de colónias e ninhos em áreas de produção de feno” por parte do centro de investigação Cibio/Biopolis. Depois, a Liga Portuguesa para a Protecção da Natureza (LPN) esteve em contacto com os proprietários desses terrenos e foi acompanhando os trabalhos de corte de feno em zonas em que a espécie pudesse ter ninhos. Esta ave uma “nidificante estival”, tendo preferência pelos terrenos abertos e searas das planícies do Alentejo. Costuma pôr ovos e construir o ninho entre finais de Abril e meados de Maio.

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Um ninho de tartaranhão-caçador com ovos João Santos

Ao mesmo tempo, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) resgatou alguns ovos, que foram encaminhados para um centro de criação. Aí, foram incubados e foram sendo monitorizados. A temperatura e humidade tinham de ser as ideais para aumentar as probabilidades de sucesso e para que estas aves pudessem vingar. A incubação fora do meio natural destes ovos é necessária “para assegurar a sua sobrevivência e aumentar o número de juvenis que ingressam na população em meio selvagem”.

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O local de incubação Carlos Carrapato

No centro de criação Gonçalo George (em Beja), as crias começaram a ser alimentadas quatro a cinco vezes ao dia até poderem ser transferidas para umas instalações que visam recriar o meio natural, na Herdade do Vale Gonçalinho. “As primeiras crias foram transferidas para este local em Junho, com aproximadamente 30 dias, para que fossem sendo preparadas para a sua devolução à natureza”, informa o ICNF em comunicado.

Espécie em declínio muito acentuado

Esta é uma espécie que está em risco de extinção em Portugal. Na zona de protecção especial de Castro Verde, existiam 214 casais reprodutores em 2011; no ano passado (2021) foi registada apenas a presença de 50 casais. “Estes valores indicam um decréscimo do número de casais em Portugal de aproximadamente 75% nos últimos dez anos, que atinge os 85% no Alentejo”, explica o ICNF. A maior frequência de secas e a alteração das culturas e práticas agrícolas e pecuárias são alguns dos factores para o declínio “muito acentuado” da espécie, “que poderá significar o seu desaparecimento em Portugal”.

Esta espécie de ave de rapina diurna, que voa geralmente a baixas altitudes, está presente em Portugal a partir de meados de Março e permanece até Setembro. O Inverno é passado em África. Os machos são, por norma, cinzentos com a ponta das asas brancas e têm uma barra transversal preta nas asas que as distingue de outras espécies (sobretudo do tartaranhão-azulado); no caso das fêmeas, têm uma plumagem diferente, mais castanha. As asas e as caudas são longas.

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Carlos Carrapato

O tartaranhão-caçador é um “predador generalista” e alimenta-se sobretudo de pequenas presas, como grilos, gafanhotos, pequenos répteis e mamíferos e também pequenas crias de aves. Segundo a associação Palombar, esta ave rapina é “aliada dos agricultores” porque caça e elimina pragas para a agricultura, como pequenos roedores e insectos. “Um único casal de águia-caçadeira captura mais de 1000 animais prejudiciais à agricultura numa época de reprodução”, lê-se no site da associação. Em Maio de 2022, esta associação assinou com outras entidades um protocolo que tem como objectivo proteger e conservar esta espécie, chamado Searas com Biodiversidade: Salvemos a Águia-Caçadeira. É neste projecto que estão previstas acções de salvamento e resgate destas aves.

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João Santos

Esta espécie tem várias ameaças, como a ceifa, que corta a vegetação e a deixa vulnerável, podendo também destruir os ninhos; há também a intensificação da agricultura e de cultivos lenhosos; a perturbação provocada pela acção humana; ou o abate ilegal e a destruição de ninhos, segundo um documento do Plano Sectorial da Rede Natura 2000.

Ainda que a população esteja em declínio e esteja ameaçada de extinção em Portugal, o estatuto de conservação da espécie é “pouco preocupante” (de acordo com a IUCN, ou União Internacional para a Conservação da Natureza) por ter uma vasta distribuição. Estima-se que existam entre 300 mil a 550 mil exemplares adultos em todo o mundo.