Projecto tem acesso a dados móveis para estudar pobreza energética em Lisboa
Para avaliar o conforto térmico dos edifícios de três freguesias de Lisboa, a Nos tem fornecido ao Instituto Superior Técnico dados sobre o uso de telemóvel dos seus clientes. Com estas (sensíveis) informações, é possível perceber os “padrões de ocupação dos edifícios”, diz representante do projecto.
Está a ser desenvolvido um site que, avaliando o desempenho energético dos edifícios de três freguesias lisboetas, indicará o tipo de obras que deve ser realizado em cada um desses edifícios para se tornarem mais eficientes e sustentáveis. Beato, Marvila e Parque das Nações (eis as três freguesias) surgirão em 3D na plataforma digital, que está a ser criada no âmbito do projecto C-Tech, que junta várias instituições — desde o Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, ao Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos — e tem como líder a Nos, que está a providenciar ao IST dados referentes ao uso que os seus clientes fazem dos telemóveis.
“Os dados permitem-nos caracterizar não só padrões de mobilidade (sabemos as horas a que as pessoas saem de casa e o itinerário que fazem), como também padrões de ocupação dos edifícios”, diz ao PÚBLICO Ricardo Gomes. “Estes dados são, obviamente, anónimos”, frisa o investigador do IST, defendendo que “a diferença entre ter e não ter dados móveis é que, não os tendo, os investigadores têm de assumir comportamentos-padrão”.
“Se numa casa morarem pessoas com empregos diurnos, podemos assumir que ela está vazia entre as 9h e as 19h”, exemplifica. “É uma suposição lógica. Mas pode não corresponder à verdade. Com dados, conseguimos caracterizar os consumos energéticos nas habitações de forma muito mais precisa. A partir daí, os modelos são mais fidedignos”, explica o investigador sobre o projecto C-Tech, a abreviatura de Climate Driven Technologies for Low Carbon Cities, ou Tecnologias Impulsionadas pelo Clima para Cidades de Baixo Carbono.
“O C-Tech é uma continuação de um projecto anterior, em que não tínhamos dados móveis. Neste temos dados e isso será uma mais-valia — embora seja um desafio muito grande lidar com informação deste tipo”, refere Ricardo Gomes, que dá um segundo exemplo para justificar a pertinência de a Nos fornecer informações sobre os seus clientes ao IST. “Imagine-se que temos 100 pessoas das 9h às 12h num escritório e que 50 saem à hora de almoço. Isto é informação importante para calcularmos a energia consumida no edifício. É informação que fornecemos ao nosso sistema.”
Para trabalhar no modelo 3D, o IST, que, naturalmente, não conhece de forma exaustiva as soluções construtivas de cada um dos edifícios que irá avaliar, está a ter em conta o período em que esses edifícios foram erguidos. “Sabemos que, se uma casa foi construída nos anos 1980, terá um certo tipo de janelas, paredes e coberturas. Se foi construída nos anos 1990, é, pelo menos em teoria, mais isolada, pelo que requererá menos consumo de energia para climatização”, exemplifica Ricardo Gomes.
Para cada edifício, será calculada a energia que tem de ser consumida, por hora, para haver conforto térmico. Serão também elencadas as obras que devem ser feitas para ser combatido um eventual cenário de pobreza energética. O site dirá, aproximadamente, quão essas obras contribuirão tanto para a redução da pegada ecológica da habitação, como para a redução da factura energética.
Ricardo Gomes diz que é por causa da sua “diversidade” que estão a ser estudadas as freguesias de Beato, Marvila e Parque das Nações (e não outras quaisquer). “São três regiões completamente diferentes, tanto em termos de edifícios como em termos sociodemográficos”, indica o investigador. Ao passo que no Parque das Nações “os edifícios são mais recentes” e “existe uma componente de escritórios muito forte”, o cenário é muito distinto no Beato e em Marvila, onde vivem muitas “pessoas mais idosas e com menor poder de compra”. Diferentes grupos etários e estilos de vida, diferentes condições económicas, diferentes edifícios, diferentes desempenhos energéticos.
Aplicações paralelas
O site que oferecerá uma vista tridimensional destas três freguesias de Lisboa é o elemento principal do C-Tech, mas há várias aplicações paralelas em desenvolvimento. “Por exemplo, estamos a tentar criar uma app que dê a cada pessoa a possibilidade de simular a sua casa”, revela Ricardo Gomes, referindo-se a qualquer ponto do país.
Nessa app, os utilizadores poderão inserir informações detalhadas sobre a sua habitação. Poderão escrever sobre as suas soluções construtivas (isto é, sobre o tipo de coberturas e janelas que tem, por exemplo), bem como sobre a energia que nela é gasta. A aplicação diagnosticará problemas e identificará as obras que devem ser feitas para atenuar esses problemas.
O IST também está a avaliar “o potencial de aplicar soluções de agricultura urbana” nas coberturas dos edifícios que está a estudar nas três freguesias lisboetas, tendo em atenção não só a sua exposição solar, mas também a exequibilidade de em cada edifício de instalar sistemas hidropónicos (a hidroponia é um sistema de cultivo de plantas sem utilização de solo; as raízes recebem os nutrientes através da água).
Já o MIT está a desenvolver uma app que dirá ao utilizador “qual é a melhor forma de ir de A para B a pé”, nas três freguesias de Lisboa estudadas. Serão sinalizados “pontos de interesse” (como cafés ou bibliotecas, por exemplo) e, também, espaços verdes entre o ponto de partida e o destino. Mostrando vários trajectos possíveis, a aplicação também calculará, de acordo com a altura dos edifícios, o nível de sombreamento. Ricardo Gomes diz que o utilizador conseguirá saber se, escolhendo um determinado percurso, “levará com sol ou não”.
Por seu turno, o CEiiA — Centro de Engenharia e Desenvolvimento (em Matosinhos), outra das entidades ligadas ao C-Tech, está a desenvolver uma app relacionada com mobilidade suave, que mostrará a diferença, em termos ecológicos e energéticos, entre realizar um determinado percurso de carro e percorrer a mesma distância apanhando um transporte público.
O C-Tech, que inclui ainda a Lisboa E-Nova – Agência de Energia e Ambiente de Lisboa e o Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação da Universidade Nova de Lisboa, decorre até Março de 2023, altura em que a plataforma tridimensional deverá ser lançada. Depois desse momento, deverá ser avaliado o interesse em estudar uma área maior. “O objectivo é usar este tipo de modelos em Lisboa e noutras cidades portuguesas.”