Piloto não reportou nenhum problema até avião de combate aos fogos cair
Tripulante ainda teve tempo de largar a água que tinha abastecido no Rio Douro momentos antes, mas não evitou o embate. Deveria ter sido a última descarga do dia.
O relatório preliminar ao acidente com o avião de combate aos incêndios que caiu na passada sexta-feira numa vinha em Vila Nova do Foz Côa revela que o piloto André Serra, que morreu na sequência da queda, não reportou qualquer problema na aeronave ou consigo antes de embater com a asa direita no socalco de uma quinta pouco antes das 18h. Depois de perder o controlo do aparelho, o comandante ainda teve tempo de largar de emergência a água que tinha abastecido no Rio Douro momentos antes, mas não evitou o embate. Era para ter sido a última descarga do dia, revela o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF).
As linhas que os peritos traçam para aprofundar a investigação parecem sugerir que a hipótese mais provável é ter havido uma falha humana, já que dos quatro pontos que estes destacam, apenas um, o último, está relacionado com eventuais falhas do aparelho ("o funcionamento da aeronave no pré-evento, incluindo a análise do motor"). Os primeiros três são “os factores organizacionais e procedimentos envolvidos na operação de combate aos incêndios”, “o envelope de voo [curva que representa os limites máximos e mínimos de performance de uma aeronave] e condicionantes locais” e “os factores humanos referentes ao tripulante da aeronave acidentada”.
O GPIAAF informa que o “piloto da aeronave acidentada manteve as comunicações” quer com as equipas de combate no terreno, quer com o comandante do outro avião anfíbio que estava a operar naquele local, “sendo que durante todo o voo nada foi reportado pelo piloto sobre algum problema ou limitação da tripulação ou aeronave”, lê-se no relatório divulgado esta segunda-feira ao fim da tarde. E acrescenta-se: “As evidências sugerem que o motor estava a debitar potência no momento do impacto com o solo”.
Os dois Air Tractor, modelo AT-802F Fire Boss, operados pela Agro-Montiar, tinham sido activados às 16h20 pela Protecção Civil para ajudar a combater um incêndio junto à localidade de Urros, em Torre de Moncorvo. Tinham vindo do aeródromo de Viseu, onde estavam estacionadas. Depois de realizarem várias recolhas de água naquele local, regressaram ao Douro para o último abastecimento do dia. “Segundo testemunhas, após realizar a carga no rio, o A01 [a aeronave acidentada], na linha de subida em volta pela direita, já após ter livrado o monte da margem esquerda do rio Douro, com uma cota de cerca de 330 metros (1080 pés), iniciou um movimento abrupto com nariz e asa direita em baixo. Tal movimento foi imediatamente seguido pela acção do piloto com a abertura em emergência da carga de água transportada”, descreve o GPIAAF.
Aeronave foi consumida pelas chamas
E continua: “Decorrente da perda de controlo e sem recuperar a altitude, a aeronave colidiu inicialmente com a semiasa direita num primeiro socalco, continuando com uma dinâmica de dissipação de energia pelos patamares seguintes imobilizando-se a 45 metros do ponto de contacto inicial. Após a imobilização, a aeronave incendiou-se tendo sido consumida pelas chamas”. O pequeno fogo foi apagado pouco depois por duas descargas de água realizadas a partir de dois aviões, primeiro um Canadair que também estava a operar no local e de seguida pelo outro Air Tractor que fazia parelha com a aeronave pilotada por André Serra.
O relatório refere que tanto o piloto como a aeronave cumpriam as exigências legais para poderem operar num cenário destes e que o céu limpo era propício à realização dos voos.
A Agro-Montiar é uma empresa portuguesa detida por um grupo espanhol Titan Firefighting (antiga Avialsa), cujo dono foi acusado há cerca de um mês pela Audiência Nacional, um tribunal espanhol especializado em criminalidade grave, no caso conhecido como cartel do fogo, como noticiou o Expresso. “Associação criminosa, alteração continuada de preços em concursos de contratação pública, suborno, falsificação de documentos, mau uso de dinheiros públicos, prevaricação, negociações proibidas a funcionários públicos, tráfico de influência e comissões ilegais”, foram alguns dos ilícitos imputados a 32 pessoas, incluindo a um político do Partido Popular.