O atum-gaiado está cada vez mais gordo e ameaça o sushi no Japão

O katsuo é uma espécie de atum também conhecida como gaiado.

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Membros da tripulação do barco de pesca a usar o tradicional ipponzuri (método de pesca de vara única), na Baía de Tosa, Prefeitura de Kochi, Japão Kim Kyung-Hoon/Reuters
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Há meio século que Takeo Nakajo captura katsuo, uma espécie de atum também conhecida como gaiado – indispensável na cozinha japonesa quer seja consumido cru, seco ou utilizado como base para o caldo de carne. Mas ele e outros pescadores em Kure, na prefeitura de Kochi, no Sudoeste do Japão, viram algo preocupante nos últimos dois anos – um número sem precedentes de katsuo invulgarmente gordo.

Por um lado, o katsuo mais pesado significa mais dinheiro, mas os habitantes locais e especialistas dizem que também é uma consequência das alterações climáticas e representa um risco para o katsuo já ameaçado devido a uma procura crescente e à pesca excessiva.

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Takeo Nakajo, 70 anos, capitão do barco de pesca Nakajomaru, usa um rádio enquanto procura um cardume de peixes katsuo (gaiado) na baía de Tosa, Japão Kim Kyung-Hoon/Reuters

“O katsuo gordo deve ter algo a ver com a temperatura da água”, refere Nakajo, de 70 anos de idade. “Tenho um sentimento de urgência quando penso: e se um dia o katsuo não vier à baía.”

Noriaki Ito, o chefe de cozinha do restaurante centenário Tsukasa, na cidade de Kochi, também confirma que “nunca tinha visto um katsuo tão gordo durante esta estação do ano”.

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Noriaki Ito, 57 anos, coloca wasabi num pedaço de katsuo cru, em Kochi, Japão Kim Kyung-Hoon /Reuters

Isto é preocupante, uma vez que as mudanças que têm ocorrido no mar e no clima já eliminaram outros peixes “incluindo um marisco chamado ‘chambara-gai’, que costumava ser a especialidade de Kochi”, acrescenta Noriaki ​Ito.

Originários de águas tropicais, alguns katsuo do Pacífico migram para norte numa corrente oceânica quente todas as Primaveras, tornando a baía em forma de arco de Kochi uma zona de pesca fértil.

A temperatura média da superfície da baía no Inverno subiu dois graus Celsius nas quatro décadas até 2015, segundo os dados do laboratório de pesca local, e o katsuo mais gordo pode ter que ver como mais acesso às suas presas no mar mais quente.

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Um trabalhador deita água em caixas cheias de katsuo antes de um leilão por atacado no Porto de Kure, na cidade de Nakatosa, Japão Kim Kyung-Hoon /Reuters

Mas a longo prazo, este aquecimento pode impedir que a água rica em minerais suba à superfície, resultando numa queda de plâncton e peixes mais pequenos para alimentar, levando a menos katsuo, disse Hiroyuki Ukeda​, cientista e vice-presidente da Universidade de Kochi.

Isto acontece porque a já envelhecida população japonesa está a ameaçar a sustentabilidade da pesca local e negócios relacionados, como a produção de katsuo seco e fermentado, e de rábano wasabi um condimento picante que nos enche os olhos de água, enfiado debaixo do peixe num pedaço de sushi.

Em Kure, um distrito da cidade de Nakatosa, muitos pescadores cessaram a actividade nas últimas três décadas, disse Takahiro Tanaka, um proprietário de quarta geração de uma peixaria e que se autodenomina “katsuo sommelier”.

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Nakajo toma o pequeno-almoço com a sua tripulação antes do trabalho, em Tosa Bay, Japão. REUTERS/Kim Kyung-Hoon

“Podemos distinguir diferentes sabores de katsuo, tal como os agricultores franceses comuns podem saborear subtilezas do vinho... Este lugar pode ser uma das últimas comunidades do Japão onde o katsuo faz parte da cultura quotidiana”, acrescentou. “Mas sem pescadores, isto não vai durar”, constata Tanaka.

O pescador Nakajo também se vira para a envelhecida comunidade e a escassez de sucessores. “Perguntei ao meu neto se ele assumiria, mas agora está a estudar para trabalhar num escritório governamental”, disse Nakajo.

Cultura do sushi em risco

A sobrepesca já atingiu o número de capturas e deu um duro golpe nos pescadores de Kochi, que se agarraram aos métodos tradicionais de pesca de vara única contra a pesca em grande escala com redes envolventes-arrastantes através do Pacífico ocidental.

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Peixes são mantidos em gelo durante um leilão no Porto de Kure, na cidade de Nakatosa, Província de Kochi, Japão Kim Kyung-Hoon/Reuters

Dados governamentais mostram que o número de capturas em Kochi foi reduzido a apenas um quarto do seu pico dos anos 80. “Temos observado um declínio catastrófico dos desembarques nos últimos cerca de dez anos”, disse Ukeda. “Um número crescente de pessoas receia que possamos já não conseguir comer katsuo num futuro próximo, se as coisas continuarem assim.”

A produção de katsuobushi, que é katsuo seco e fermentado, muitas vezes utilizado como condimento raspado sobre pratos tradicionais japoneses ou como base de caldo, já está a sofrer. O número de fabricantes de katsuobushi em Kochi caiu de dezenas há cerca de 40 anos para apenas alguns, disse Taichi Takeuchi, que gere um na cidade de Eua. “Não tenho a certeza se podemos continuar com isto”, diz Takeuchi.

O wasabi, o rábano picante que é essencial para a comida japonesa, especialmente o sashimi e o sushi, está a enfrentar desafios de produção semelhantes. Tufões e temperaturas crescentes prejudicaram a produção em Okutama, uma área montanhosa a oeste de Tóquio, disse Masahiro Hoshina, 72 anos, chefe da associação local de cultivadores de wasabi. “Estou extremamente preocupado com o futuro da nossa agricultura”, afirma Hoshina.

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Um grupo de trabalhadores faz filetes de peixe na cidade de Usa, Tosa, Província de Kochi Kim Kyung-Hoon /Reuters

O número de agricultores na área diminuiu 75% desde os anos 50 devido ao despovoamento e, a menos que algo mude, há quem acredite que o sushi poderá estar em perigo.

“A combinação de peixe cru e especiarias, como katsuo e wasabi, é uma arte, e temos de manter ambos”, disse Ukeda. “Recuso pensar num futuro” sem eles, acrescentou.

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Um trabalhador transporta cestos contendo filetes cozidos, na fábrica de katsuobushi da Takeuchi em Usa, Tosa, Japão Kim Kyung-Hoon/Reuters
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Hoshina procura sementes de wasabi para verificar o seu ritmo de crescimento na sua quinta na cidade de Okutama, Tóquio, Japão Kim Kyung-Hoon/Reuters