Greenpeace acusa Portugal e Espanha de pescarem crias de tubarões no Atlântico Norte

As espécies capturadas têm entre 50 a 70 centímetros de comprimento e são destinadas a alimentar o comércio de barbatanas em países asiáticos e o consumo de carne de tubarão na Europa, América do Sul, Austrália e África.

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Um tubarão é içado a bordo do Nuevo Zumaya, um palangreiro espanhol que pesca espadarte no sudeste do Atlântico. Tommy Trenchard/Greenpeace

A Greenpeace denunciou esta quinta-feira a actuação das frotas pesqueiras de Espanha e Portugal pela pesca em áreas de criação de tubarões no Atlântico Norte, usando palangres que é um tipo de pesca à linha que usa uma linha principal, de onde pendem outras linhas mais curtas, cada uma com um anzol.​ A denúncia é feita num comunicado que assinala o International Shark Awareness Day e não é inédita. Ao longo dos últimos anos, a associação tem alertado para este problema da pesca excessiva de tubarões dos barcos portugueses e espanhóis nestas águas. Desta vez, o alerta dirige-se especificamente à captura de tubarões mais jovens.

No comunicado, a organização ambientalista destaca o relatório Sharks in Extinction: How EU fishing frotas drive the global shark trade onde é revelada a dimensão do impacto provocado nas diferentes espécies deste predador com esta arte de pesca: num dia médio de faina, podem ser encontrados, no Atlântico Norte, “mais de 1.200 quilômetros de linha de pesca”, estimando-se que por ali se encontre um total entre 15.000 a 28.000 anzóis.

Numa investigação realizada em Maio passado, nas lotas da Horta, nos Açores, e em Vigo, na Galiza, a Greenpeace confirmou a “descarga de tubarões azuis imaturos, juvenis e jovens”. O tubarão azul (Prionace glauca) só atinge “a maturidade sexual a partir de 180 centímetros nos machos e 200 centímetros nas fêmeas”, esclarecem os ambientalistas. No entanto, foram comercializados exemplares que mediam entre 50 e 70 centímetros, constatam.

Segundo insistem no comunicado divulgado esta quinta-feira, este tipo de actuação é facilitado devido à inexistência de regulamentos sobre tamanhos mínimos de captura, comprimento das artes de pesca ou número máximo de anzóis no Atlântico Norte, “uma vez que esta pesca não está devidamente regulamentada”.

“Enquanto a União Europeia e seus estados-membros afirmam ser líderes na protecção dos oceanos, as suas frotas pesqueiras pescam indiscriminadamente no Atlântico Norte”, Espanha e Portugal “tentam perpetuar o actual estado de desgoverno global que quase levou ao desaparecimento de algumas espécies de tubarões”, salienta Pilar Marcos, responsável da campanha “Oceanos da Greenpeace Espanha” citada no comunicado.

Os tubarões são uma das espécies mais ameaçadas do mundo, com 17 espécies em perigo de extinção, como o tubarão mako (Isurus oxyrinchus) também conhecido como tubarão-anequim. Este animal possui características que o tornam mais vulnerável, possuindo ninhadas com entre 4 a 16 após um período de gestação de 15 a 18 meses e com um ciclo de desova a cada 3 anos. Por outro lado, os jovens tubarões mako só atingem a maturidade relativamente tarde.

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O tubarão-azul DR

É o tubarão mais rápido dos oceanos. A chita dos oceanos, comparam os que o pescam. Pode atingir velocidades até 128 quilómetros por hora. O Exército dos Estados Unidos da América financiou pesquisas com sua pele na expectativa de poder tornar, com os resultados da investigação, aviões e helicópteros mais rápidos.

Valorizada pela sua carne e barbatanas, mas também como atracção no mergulho desportivo, “está na vanguarda das capturas”. A intensidade da pesca na Galiza, onde se concentram 160 embarcações, está patente nos números: “descarregam cerca de três mil toneladas por ano, no valor de cerca de dez milhões de euros”, salienta a Greenpeace. Os tubarões-anequim partilham território com o tubarão-azul.

Uma morte cruel

A pesca “desenfreada” dos tubarões, que chegou a ser na primeira década do século XXI de 100 milhões de exemplares por ano, inclui a prática do shark finning. Esta técnica envolve a captura de tubarões para extracção de suas barbatanas.

Rebecca Regnery, vice-directora de vida selvagem da Humane Society International, descreve a captura: “Um tubarão azul é arrastado de cabeça para baixo para fora da água, um gancho afiado perfura-o pelo céu-da-boca e pelo rosto. Um homem entra em cena. Com uma faca corta a grande barbatana peitoral do lado esquerdo do tubarão. Outro homem pisa a nadadeira direita do animal, enquanto a esquerda é cortada. Depois uma terceira e uma quarta. A sangrar e sem barbatanas o tubarão é lançado ao mar. Tenta nadar, mas acaba por ter uma morte cruel porque não pode nadar, nem respirar”.

A União Europeia (UE) é responsável por “quase um terço dessa importação”, assinala ainda o relatório Sharks in Extinction. Mais de 50% do comércio global em barbatanas de tubarão passa por Hong Kong, Singapura e Taiwan, facto que ajuda a explicar o “declínio global de tubarões” causado pelo comércio internacional de barbatanas e carne de tubarão, a que se junta “a falta generalizada de gestão tanto para a captura como para o comércio de espécies de tubarão” acrescenta o relatório. No período que decorreu entre 2003 e 2020 foram enviadas para aquelas três regiões do extremo oriente 188.368 toneladas de barbatanas de tubarão.

A Greenpeace recorda ainda que cientistas de vários países alertam “há mais de 20 anos” para as consequências da má gestão da pesca para as populações de tubarões. Em 2017, os alertas pediam que se parasse com a captura de tubarões mako, apelo que acabou por ser atendido pela Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT). Em Novembro de 2021 decidiram também proibir a captura do tubarão azul, durante dois anos para “reverter o declínio desta população seriamente sobre explorada”.

A frota espanhola opôs-se “totalmente a esta moratória e à inclusão deste tubarão nas listas de espécies ameaçadas”. Javier Garat, secretário-geral da Confederação Espanhola de Pesca (Cepesca) reagiu à decisão: “é um absurdo equiparar o tubarão a um rinoceronte branco ou a um lince, que não servem para ser comidos”.

O dirigente da Cepesca admite que a moratória não vai ser respeitada. “Quem pratica a pesca ilegal, quem não declara, quem pratica o finning [remoção das barbatanas] vai continuar a fazê-lo.”

O que se sabe é que o tubarão azul, é a espécie mais pescada no Atlântico Norte, e que a partir de 2017, o volume de vendas aumentou de forma constante de 28,34% para mais de 45% em 2020. A UE continua a capturar estes animais e a exportar barbatanas de tubarão em grande número.

De todas as exportações comunicadas pelos Estados-Membros da UE, a Espanha foi a maior fonte relatada de exportações, com um total de 51.795 toneladas e Portugal registou o segundo maior volume com um total de 642 toneladas por ano. Além, do consumo interno que também existe, por exemplo, num dos pratos mais apreciados da gastronomia alentejana: a sopa de cação.