Os senhores da floresta

Estes senhores da floresta são os que estão nos bancos a financiar negócios insustentáveis e nas universidades a ensinar que a natureza é uma máquina a ser explorada, formando indivíduos competitivos e alienados da realidade, que a única coisa que pretendem é entrar para esta elite poderosa.

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Paulo Pimenta

A minha história em defesa da floresta autóctone vem de longe, quando ainda menino via cortes rasos onde havia vida, biodiversidade, resiliência e beleza, e revoltava-me contra a perda daquele património tão rico. Esses espaços “​ecocidados” nunca mais retomaram a riqueza ecológica de outrora, face à incursão do eucalipto e de outras invasoras. Os incêndios existiam, mas nunca com a severidade de hoje.

O agravamento do cenário agrega vários factores, como a proliferação do eucaliptal, o abandono do interior, as alterações climáticas, que formaram um cocktail explosivo. Mas, um olhar mais profundo permite encontrar uma economia do costume que persiste no negócio, que embora seja catastrófico para a natureza e para a maioria dos humanos, enche os bolsos de poderosos. Ora, lutar contra estes senhores da floresta tem sido muito penoso, porque mesmo com o inferno de 2017, e do muito que então foi prometido no rescaldo do luto, na verdade as coisas estão hoje muito piores.

Basta ir ao terreno e ver como as matas se encontram cheias de eucaliptos e matos, que formam um oceano de combustível. E quanto aos eucaliptos, estes não só brotaram espontaneamente após os incêndios, como foram realizadas inúmeras plantações novas, quando a política seria a da diminuição da área desta espécie.

Estes senhores da floresta são os que gostariam de ver todo o país como uma máquina de produção a enriquecer as fileiras das celuloses; os que se encontram nos gabinetes governativos a pactuarem com os senhores anteriores ou a optarem pela ausência de políticas e verbas para o Interior; os que estão na gestão de institutos públicos, cuja função seria a da conservação da natureza e do ambiente, e favorecem projectos que degradam o nosso património natural; os que estão nos bancos a financiar negócios insustentáveis e os que estão nas nossas escolas e universidades a ensinar que a natureza é uma máquina a ser explorada, formando indivíduos competitivos e alienados da realidade, que a única coisa que pretendem é entrar para esta elite poderosa, perpetuando a colonização do espaço humano e natural do país.

Ora, a natureza é um sistema vivo ao qual pertencemos. Os problemas ambientais, climáticos e florestais são fruto da forma como uma elite da nossa sociedade e a sua economia tem agido sobre a natureza. A única forma de resolvermos estas questões é acordarmos colectivamente para a maneira com esta elite de senhores comanda o nosso património natural, chamando para nós o controlo das florestas e do país, e começarmos a olhar para a natureza como ela é na realidade — a nossa essência colectiva, indispensável ao nosso bem-estar físico, mental e espiritual, e respeitando-a como tal.

Segundo Aldo Leopold isto é possível quando começarmos a ver a terra como uma comunidade à qual pertencemos. Esta perspectiva vai ao encontro das conclusões da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas das Nações Unidas (IPBES), que no seu relatório de 2019, expressa a necessidade de uma ‘mudança transformadora’ da sociedade capaz de reorganizar todo o sistema, incluindo paradigmas, metas e valores, para responder ao declínio dramático da biodiversidade, restaurar a natureza e salvar a humanidade.

Se queremos salvar a floresta precisamos de colocar a economia ao serviço da humanidade e da natureza, co-criar um mosaico florestal mais autóctone, que é biodiverso, resiliente, belo, rico em serviços de ecossistema, importante para combater as alterações climáticas e menos perigoso relativamente aos fogos florestais. Haja vontade.

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