Domingo, 10 de Julho, norte de Elvas, Alentejo: o calor do solo à superfície ultrapassa o patamar dos 60 graus Celsius, é abrasador. Numa imagem de satélite que mostra as temperaturas da superfície do solo em Portugal, disponibilizada ao PÚBLICO pelo Copérnico (a missão da União Europeia para a observação da Terra), os valores de 60 graus ou superiores traduzem-se por pequenas zonas claras, acinzentadas, naquela região do Alentejo e, um pouco mais a sul, perto de Barrancos. Mas uma parte importante do interior do país, no Centro e no Sul, aparece a preto. Apesar de não ser tão quente, aquela cor escura traduz temperaturas da superfície do solo bem acima dos 50 graus.
A imagem foi obtida às 11h31m55s de 10 de Julho, quando o satélite Sentinela-3B do Copérnico passou por cima da Península Ibérica e captou as temperaturas daquele momento, usando o seu Radiómetro de Temperatura de Superfície da Terra e do Mar. Este radiómetro permite medir a temperatura a partir da radiação infravermelha emitida da superfície terrestre, o que seria equivalente ao calor que se sente quando se põe a mão no chão. “Do ponto de vista do satélite, a ‘superfície’ é o que quer que se veja quando se olha através da atmosfera para o chão. Pode ser gelo ou neve, relva ou prado, o telhado dos edifícios ou as folhas da cobertura vegetal”, segundo o site do programa Copérnico.
Num dia de muito calor e sem nuvens, como aconteceu no domingo, a temperatura superficial do solo aumenta. Se as temperaturas na imagem foram obtidas ao final da manhã, será que seriam superiores se o satélite tivesse passado e registado aquela informação umas horas mais tarde? “Não podemos ter a certeza porque não temos esses dados recolhidos”, responde-nos Annamaria Luongo, que faz parte do gabinete de apoio ao Copérnico e é responsável pela produção da imagem do dia que o programa da União Europeia costuma divulgar. “Mas à medida que as temperaturas do ar aumentam, a temperatura da superfície do solo também aumenta.” Por isso, é provável que a temperatura do solo ainda tenha subido mais naquele dia.
De qualquer forma, a imagem oferece um retrato momentâneo da onda de calor que se vive em Portugal desde a semana passada, que está a intensificar a seca que o território atravessa e a fomentar o eclodir de incêndios, colocando, mais uma vez, várias comunidades do país em situações de risco.
Seca em Portugal
No sábado, a ADAM, uma plataforma virtual que facilita o acesso à informação científica, tinha publicado no Twitter uma imagem semelhante da Península Ibérica obtida nesse mesmo dia. Esta informação foi produzida a partir dos dados brutos do programa Sentinela-3, não foi uma imagem feita e divulgada pelo Copérnico. Na publicação do Twitter da plataforma surgia a seguinte legenda: “A primeira imagem do Sentinela-3 do Copérnico da Península Ibérica sem nuvens (a 9) de Julho oferece uma temperatura da superfície do solo impressionante na véspera da segunda onda de calor do Verão. As temperaturas do solo (não do ar!) subiram acima dos 60 graus Celsius em Espanha e em Portugal.”
No entanto, Annamaria Luongo explica que essa informação pode não estar correcta. “Os dados de 9 de Julho não excedem os 61 graus, como mencionou a ADAM no tweet, excepto em áreas muito pequenas (de menos de 0,5 quilómetros quadrados), o que do ponto de vista científico pode ser considerado como estando dentro do desvio do instrumento”, refere a perita, acrescentando que não sabe como é que a ADAM processou a informação do Sentinela-3 para obter aquela imagem. “Por outro lado, na imagem de 10 de Julho, a área onde a temperatura da superfície do solo excede os 60 graus é bastante grande”, sublinha Annamaria Luongo.
Estas não foram as únicas imagens da missão Copernicus divulgadas nos últimos dias sobre Portugal e sobre o cenário de calor e seca que se tem abatido no país. Na imagem do dia de 9 de Julho do Copérnico é possível observar a barragem do Alto Lindoso esvaziada, em pleno Parque Nacional Peneda-Gerês.
“As condições de seca intensa têm vindo a afectar Portugal durante meses. (…) A 30 de Junho, 96% do território português experimentava condições de seca ‘severa’ ou ‘extrema’”, explica a legenda da imagem, que revela um contorno castanho-claro à volta da massa de água da barragem, denunciando a perda hídrica que o reservatório sofreu ao longo dos meses. “Várias bacias hidrográficas em Portugal mostram claramente sinais da consequência da seca que está a decorrer. Um exemplo é a barragem do Alto Lindoso (…) que neste momento está apenas com 15,8% da sua capacidade.”