O futuro da Medicina e a incerteza da carreira médica em Portugal

Ouvimos falar da falta de médicos nos Serviços de Urgência e de uma tentativa da parte do governo de descentralizar a especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF), fazendo com que qualquer médico possa substituir um especialista da área sem qualquer tipo de enquadramento. Mas, então, que realidade espera um futuro interno de especialidade?

Foto
Etactics Inc/Unsplash

Ano após ano, ouvimos em todos meios de comunicação social que há falta de médicos no SNS em Portugal.

Mais recentemente, da falta de médicos nos Serviços de Urgência e de uma tentativa da parte do governo de descentralizar a especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF), fazendo com que qualquer médico possa substituir um especialista da área sem qualquer tipo de enquadramento.

Mas, então, que realidade espera um futuro interno de especialidade? Para começar, vamos fazer uma pintura da actualidade da carreira médica em Portugal.

Após os seis anos de curso, com muitos altos e baixos, em que a resiliência e a determinação são fundamentais para superarmos todos os desafios que vão aparecendo pela frente, por fim, de forma a concorrermos para entrar no internato de uma especialidade médica, vem a aclamada Prova Nacional de Acesso (PNA), cujo objectivo é seriar todos os candidatos por ordem para cada um efectuar a sua escolha. Em Janeiro do ano civil seguinte à realização da prova, iniciamos o ano de Internato de Formação Geral, no qual já nos encontramos a trabalhar, e rodamos pelas especialidades base do SNS. Ainda durante este ano, em meados de Novembro, somos chamados pela ACSS para escolher a especialidade da qual queremos iniciar o internato médico, consoante as vagas e instituições de saúde disponíveis. Após isso, espera-nos um período de quatro a seis anos, com avaliações de exigência altíssima. Por fim somos especialistas e podemos optar por ficar no SNS (consoante as vagas disponíveis) ou ir para o privado.

Como Interno de Formação Geral, encontro-me a meio da formação médica e vejo com muita preocupação as proporções futuras que a carreira médica está a ter e pode vir a ter, em Portugal.

Primeiramente, vamos recuar ao ano de 2019, no qual 2401 colegas realizaram a PNA com 1833 vagas disponíveis de acesso à especialidade. Estamos perante um buraco enorme e a consequência directa deste facto é imensos colegas terem de repetir o exame, emigrarem ou remeterem-se a trabalho na área da medicina sem qualquer especialidade. Neste mesmo ano, rescindiram contrato 146 colegas e ficaram sem vaga 437 colegas, ou seja, praticamente todas as vagas de acesso à especialidade ficaram preenchidas, porém se o número de vagas por preencher tivesse sido completo (15 vagas militares) ficariam sempre 568 colegas sem acesso a vaga.

Num passado ainda recente, houve um aumento das vagas no curso de Medicina com a abertura de um novo curso na Universidade Católica cuja consequência directa, sem aumentar as vagas da formação especializada, é formar mais médicos que nunca terão as capacidades específicas de uma área, médicos que consigam ir ao encontro das necessidades médicas individuais dos portugueses com a maior qualidade possível.

Noutra perspectiva, 494 vagas da especialidade de 2019 (27%) eram de MGF. As mais recentes notícias e polémicas em torno da Lei nº 12/2022 (Orçamento do Estado 2022), publicada em 28 de Junho, fazem com que qualquer médico possa substituir um Médico de Família (especialista em MGF) sem qualquer formação direccionada na área.

Estaremos perante uma especialidade de segunda linha? O que é que pensarão a maioria dos meus colegas ao escolher a especialidade de MGF ou mesmo os que já a frequentam?

Se o problema está em reter os médicos no SNS, passará a solução pela descentralização e formação de mais médicos? Ou, antes pela melhoria das condições de trabalho e remuneração? A solução está à vista.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários