Que está muito calor, já reparou. Mas porquê? E por que é que as autoridades estão tão preocupadas com o que pode acontecer esta semana em Portugal? Expliquemos o que está a acontecer, o que é normal e o que não é. E o que devemos fazer nos próximos dias.
O que é uma onda de calor?
Não se trata de uma questão de opinião ou de percepção, se fazia mais ou menos calor quando éramos mais novos, ou se "sempre foi assim". Uma onda de calor é algo que tem uma definição oficial: a Organização Meteorológica Mundial descreve-a como um período de pelo menos seis dias seguidos em que a temperatura máxima diária é superior em 5ºC ao valor médio das máximas diárias no período de referência, como refere o site do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Por exemplo, se a temperatura máxima média de Lisboa em Julho é de 27ºC, considera-se que há uma onda de calor se forem registados seis ou mais dias com temperaturas máximas superiores a 32ºC. Por estes dias, estamos a falar de valores superiores a 40ºC (que não são inéditos, mas são raros).
Em alguns países, devido às suas especificidades meteorológicas, a definição pode ser ligeiramente diferente em relação ao número de dias e à temperatura mínima a partir da qual se considera haver uma onda de calor.
Uma onda de calor pode acontecer em qualquer altura do ano, mas os seus efeitos são mais perceptíveis no Verão. E, quando falamos em efeitos, podemos estar a falar em algo mais do que um simples desconforto com alguns graus a mais no termómetro: as ondas de calor estão associadas a uma maior mortalidade (sobretudo entre idosos e pessoas mais fragilizadas), a maior risco de incêndios, à perda de colheitas agrícolas e a problemas nas infra-estruturas, sobretudo nos caminhos-de-ferro e na rede de electricidade.
Nem todas as ondas de calor são iguais: algumas duram pouco mais do que cinco dias, outras prolongam-se por semanas; umas são bastante localizadas, outras afectam vários países; umas são quase imperceptíveis e outras têm efeitos muito graves. Em 2003, por exemplo, a grande onda de calor que atingiu praticamente toda a Europa Ocidental durante Junho e Julho causou mais de 70 mil mortes, segundo estimativas das Nações Unidas. Em Portugal, foram especialmente fortes a onda de calor desse ano e as de 2005, 2010 e 2017 (o ano do incêndio de Pedrógão Grande). A onda de calor que agora sentimos, e que vai intensificar-se nos próximos dias, promete ser uma das que ficam para a História.
Mas não é normal fazer calor no Verão? Ou isto tem algo a ver com as alterações climáticas?
É normal fazer calor no Verão, no sentido em que as temperaturas médias são mais elevadas do que nas outras estações do ano, e que pode haver alguns dias de calor especialmente intenso.
Também é normal que, de vez em quando, haja períodos de seis ou mais dias com temperaturas máximas superiores em 5ºC ao valor médio das máximas para aquele período do ano. As ondas de calor são eventos que ficam estatisticamente fora dos padrões do clima, mas não são inéditos. São fenómenos extremos, como uma grande tempestade, uma vaga de frio, um nevão ou uma seca, mas que por vezes acontecem.
O que os meteorologistas de todo o mundo têm medido é um aumento do número anual de ondas de calor, bem como da sua intensidade. De resto, é o que está a acontecer com outros fenómenos extremos.
Em Portugal, por exemplo, o IPMA refere que a frequência de ondas de calor aumentou a partir da década de 90. Nos Estados Unidos, a EPA (Agência de Protecção do Ambiente, na sigla inglesa), indica que o número anual de ondas de calor (e estamos a incluir as do Verão e as do Inverno, menos perceptíveis) aumentou de duas nos anos 1960 para seis durante a década de 2010-19. No Reino Unido, o Met Office identifica a mesma tendência e relaciona-a, ao longo do tempo, com o aumento de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre.
Isto não quer dizer que não haja diferentes causas para a ocorrência de uma vaga de calor. Oscilações recorrentes na temperatura da água dos oceanos, como o fenómeno El Niño/La Niña no Oceano Pacífico, causam uma cadeia de eventos meteorológicos em todo o mundo, incluindo temperaturas acima da média em várias regiões. O mesmo acontece com oscilações cíclicas na pressão atmosférica (por cá, é o anticiclone dos Açores que, com as suas movimentações, costuma determinar se temos tempo mais seco ou mais húmido).
A questão é que as alterações climáticas, de origem humana, tendem a intensificar estes grandes fenómenos, a alterar estes grandes padrões meteorológicos, e a aumentar as suas consequências. Há uma relação muito forte entre o processo histórico de industrialização, o aumento de gases de efeito estufa nas últimas décadas, o aumento da temperatura média da Terra e o aumento de fenómenos meteorológicos extremos como as ondas de calor. Existe um consenso científico muito forte sobre este assunto, independentemente da atracção por outras explicações alternativas que vemos nas redes sociais. Não é uma matéria de opinião, é matéria de facto.
O que está na origem desta vaga de calor em Portugal?
As alterações climáticas explicam tendências, não fenómenos de forma isolada. Podem é tornar o que se está a passar agora em Portugal (e no resto da Europa) em algo cada vez mais frequente e intenso no futuro.
Mas o que se passa agora, afinal? Há neste momento uma zona de instabilidade atmosférica (uma zona de tempestade, para simplificar) no Atlântico, a Oeste da Península Ibérica que, funcionando como uma espécie de ventoinha, está a puxar ar muito quente do Norte de África, do deserto do Sara, directamente para a Europa Ocidental, através da Península Ibérica. Este ar quente está a subir para Norte com a ajuda de um anticiclone (uma zona de alta pressão atmosférica), que na prática funciona como uma espécie de corredor atmosférico, de portas abertas, entre o Norte de África e a Europa.
Estes dois fenómenos, a zona de instabilidade atmosférica, a Oeste, e o anticiclone, mais a Leste, estão numa posição bastante estática. Não se mexeram significativamente nos últimos dias, nem se espera que se movam muito esta semana. Isto faz com que o corredor de ar quente continue a funcionar.
Resultado? O calor dos últimos dias vai manter-se e agravar-se em Portugal. Segundo as previsões mais recentes do IPMA, grande parte do país vai chegar ou ultrapassar os 40ºC esta terça-feira, incluindo Lisboa, Coimbra, Leiria, Braga, grande parte do Alentejo, do Ribatejo e do Alto Douro. Na quarta-feira, o termómetro vai continuar a subir e deverá chegar aos 44ºC em Évora e em Castelo Branco.
Esta situação repete-se para já em Espanha, e o calor também já aperta em França. O Reino Unido, a Bélgica, os Países Baixos, o Luxemburgo e partes da Alemanha e de Itália também podem enfrentar temperaturas extremas no final da semana. Mas aqui é necessário fazer uma ressalva: as previsões meteorológicas vão perdendo eficácia a mais de três dias de distância, pelo que a situação pode alterar-se até lá. O que é certo é que, em Portugal, os próximos dois dias vão ser bastante duros.
O que devemos fazer durante estes dias de calor extremo?
Estas temperaturas muito elevadas, e sobretudo o facto de permanecerem muito elevadas durante vários dias, têm efeitos negativos para a saúde e para a segurança pública, sobretudo quando falamos do risco de incêndio. Perante isto, recomenda-se:
- Beber água é fundamental, mesmo quando não se tem sede. Um indicador útil para percebermos se estamos suficientemente hidratados é a cor da urina: quanto mais escura estiver, mais é um sinal de que não estamos a beber água suficiente
- Atenção especial aos familiares mais idosos, que têm tendência a beber pouca água. É preciso insistir na hidratação. Ao mesmo tempo, convém consultar o médico antes de aumentar o consumo de água em casos de doença renal, cardíaca, do fígado ou epilepsia
- Evitar bebidas açucaradas e bebidas alcoólicas. Não substituem a água, e aceleram a desidratação
- Proteger a pele: com protector solar (factor igual ou superior a 30), com roupa e chapéus
- Evitar a praia (por muito apetecível que seja) e a rua nas horas de maior calor, das 11h às 17h. Deixar os passeios e o exercício para a manhã ou o final do dia
- Manter a casa fresca: fechar janelas e persianas logo de manhã e voltar a abri-las à noite. Investir em ventoinhas, que são aparelhos mais baratos no momento da compra e no consumo da energia (logo, mais amigos do ambiente) quando comparados com o ar condicionado (mas se tiver ar condicionado, é mesmo tempo de lhe dar uso)
- Evitar riscos desnecessários de incêndio: fogueiras, grelhadores, queimadas, máquinas florestais e, claro, fumar em zonas florestais. Portugal está em "situação de contingência", um estado de alerta reforçado, perante a grande possibilidade de incêndios.
Na próxima segunda-feira, voltamos a explicar e descomplicar outro grande tema da actualidade. Se gostou desta newsletter, subscreva-a e recomende-a aos seus amigos. Até lá, uma boa semana.