Governo japonês quer avançar com a revisão constitucional que Shinzo Abe defendia

Com uma maioria favorável em ambas as câmaras do Parlamento, primeiro-ministro põe o assunto na agenda, mas os partidos têm prioridades diferentes e uma revisão à Constituição pacifista tem sempre de ser aprovada em referendo.

Foto
Fumio Kishida não definiu calendário, mas prometeu apresentar propostas rapidamente Reuters/POOL

Os partidos favoráveis à revisão da Constituição japonesa garantiram no domingo a maioria de dois terços na câmara alta do Parlamento que é necessária para iniciar o processo. O primeiro-ministro Fumio Kishida prometeu “apresentar uma proposta o mais rapidamente possível”.

Kishida sucedeu no cargo a Shinzo Abe, que fez da revisão constitucional um dos grandes objectivos dos seus mandatos, mas nunca conseguiu o apoio parlamentar e popular suficiente para o levar por diante. A principal mudança proposta por Abe era a revisão do artigo 9, imposto pelos Estados Unidos depois da II Guerra Mundial, segundo o qual o Japão “renuncia para sempre à guerra como direito soberano da nação e à ameaça ou uso da força como forma de resolver disputas internacionais”.

Dois dias depois do assassinato a tiro do antigo primeiro-ministro numa acção de campanha, o seu Partido Liberal Democrático ganhou por ampla margem as eleições para a câmara alta da Dieta, o Parlamento japonês, e, em conjunto com outros três partidos, existe agora uma maioria de 179 deputados que defendem a revisão constitucional.

Porém, cada uma das forças políticas tem diferentes interesses no processo. O Novo Komeito, que integra a coligação governativa, opõe-se a uma mudança que ponha em causa o princípio pacifista do país. O líder deste partido, Natsuo Yamaguchi, declarou no domingo à noite que o artigo 9 “não precisa de ser revisto”.

Na oposição, o Partido da Inovação do Japão e o Partido Democrático pelo Povo dão prioridade à revisão dos artigos que regulam os estados de emergência (como o que vigorou durante a pandemia) e outros relacionados com o ambiente e a educação.

“Quero avançar com o processo de revisão com qualquer uma das propostas assim que a aprovação estiver garantida, depois de uma discussão aprofundada”, disse Kishida numa entrevista à televisão Asahi na segunda-feira.

A Constituição japonesa nunca foi revista desde que entrou em vigor, em 1947. Para uma revisão ser bem-sucedida é necessária uma maioria de dois terços em ambas as câmaras da Dieta – ela existe, em teoria – e um referendo em que a proposta obtenha a aprovação de uma maioria simples.

Obter o apoio popular pode ser o passo mais complicado de todos. Em 2015, quando Abe apresentou legislação que permite às Forças Armadas japonesas combater no estrangeiro, milhares de pessoas protestaram nas ruas. De acordo com o The Japan Times, uma sondagem à boca das urnas revelou que 4,7% dos eleitores decidiu em quem votar com base na revisão constitucional, enquanto 30,2% votou em função de políticas económicas e laborais.

Entretanto, a polícia continua a investigar o homicídio de Abe. As autoridades acreditam que o atirador, Tetsuya Yamagami, planeou o ataque durante mais de um ano. Na sua casa foram encontradas pelo menos cinco armas artesanais, semelhantes à que ele usou contra o ex-governante.

O próprio terá admitido, segundo o The Asahi Shimbum, que no dia anterior ao assassinato foi testar se a arma funcionava nas instalações de um grupo religioso contra o qual “guardou um rancor”. Yamagami alega que Abe tinha “uma relação próxima” com esse grupo.

Sugerir correcção
Comentar