Cronómetro do tempo decrescente

Neste processo de luto por um embrião que não chegou a ser gente, mas ao qual atribuímos um lugar na família, a fragilidade da mulher que sofre a perda esconde-se sob uma camada fina de gelo.

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Para uma grávida, não há maior encanto do que ver a barriga crescer, principalmente quando se trata de uma gravidez tão desejada. No meu caso, por se tratar de uma segunda gravidez, a barriga notou-se logo, o que permitiu que me cedessem o primeiro lugar na fila da casa de banho. Ninguém acreditava que eu estava grávida de seis semanas e deixei-me levar pelo balanço de uma confiança feliz, baseada no que os meus olhos viam quando caíam sobre o meu ventre.

Uma gestante recebe muitos conselhos, mesmo sem serem pedidos, causando algum desconcerto. Devemos contar que estamos grávidas? Como sobreviver às primeiras 13 semanas? Devemos comprar roupas largas e ocultar barriga? A ideia de esconder a gravidez no primeiro trimestre impõe-se de uma maneira silenciosa, como se tivéssemos cometido um crime, com o fantasma do aborto espontâneo presente. Cientes dessa possibilidade, certificamo-nos de cada passo dado e guardamos a felicidade temerosa de estar grávidas para nós mesmas. Gostaria de relembrar que partilhar um teste positivo é uma escolha nossa e só nós podemos decidir se o queremos fazer no primeiro mês. Não existe nenhuma lei que nos proíba de falar sobre a gravidez desde início e, se algo correr mal, também somos livres de o dizer em voz alta, de o assimilar devagarinho, descobrindo outras histórias que tantas famílias calaram. Outras senhoras preferem um luto mais recatado e terão motivos para isso.

Voltemos à barriga que cresce, um orgulho, o confirmar de uma alegria imensa, exibida com um largo sorriso. Até ao marco das 13 semanas, a felicidade é ensaiada ao espelho, observando cada pequena alteração. Deve ser a única altura na vida de uma mulher em que aquele pneu extra é, de facto, formosura. Comigo, assim que se confirmou a ausência de batimento cardíaco, desejei que o meu corpo acelerasse a expulsão, para que eu pudesse seguir em frente. O meu corpo fez-me a vontade, porém, a barriga continua orgulhosamente saliente, aliando-se à perda de sangue que se estende por 40 dias, ferindo a minha auto-estima e nublando os meus dias. Os minutos que passei, enquanto a minha ginecologista confirmava o diagnóstico, desmascararam a minha barriga, que se tornou, inevitavelmente, feia. A cada manhã em que me levanto e olho para ela, em cada momento que tento vestir roupa que ainda não me serve, por cada botão que não abotoa, odeio-a.

Neste processo de luto por um embrião que não chegou a ser gente, mas ao qual atribuímos um lugar na família, a fragilidade da mulher que sofre a perda esconde-se sob uma camada fina de gelo. Quando ousa sair à rua, uma amiga pergunta-lhe como está e os seus olhos cobrem-se de lágrimas. Percorre mais alguns dias, põe a leitura em dia, aproveita a licença para remover as manchas do balcão da cozinha, vai às compras, torce para não encontrar ninguém, embora a sorte lhe pregue uma partida: uma velha amiga passeia a bebé no carrinho e o outro filho pela mão, desconhecendo o sucedido.

– Então, vão à segunda?

– Claro que sim, queremos muito.

– Fazem bem, não deixem passar muito tempo.

O tempo, esse que parece passar apressadamente lento e que não garante a sorte de uma gravidez sem sobressaltos. Para quem receia voltar a tentar e passar por tudo outra vez, o tempo não se compadece e o cronómetro da fertilidade está em contagem decrescente. O que dizer a cada uma de nós que sofre uma dor tão sua? Talvez a única frase que importa é aquela cheia de silêncios.

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