Portugal entre países onde Uber usou violência de taxistas para expandir negócio

O plano começou a ser traçado em 2015, quando os estrategos da empresa norte-americana perceberam que poderiam beneficiar com os actos de violência contra os motoristas da Uber. Em Portugal, o objectivo era degradar a imagem pública do presidente da ANTRAL, a maior associação de taxistas em Portugal.

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Protestos de taxistas contra a Uber em 2016, em Lisboa miguel manso

Durante anos, a Uber explorou histórias de violência contra motoristas da empresa para promover a imagem da empresa contra os taxistas e os governos que criavam problemas ao seu negócio. A estratégia foi repetida em vários países, incluindo Portugal, revela uma investigação jornalística publicada este domingo pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla em inglês).

O plano começou a ser traçado em 2015, quando os estrategos da empresa norte-americana perceberam que poderiam beneficiar com os actos de violência contra os motoristas da Uber, ganhando a simpatia da opinião pública, revela a investigação Uber Files. O plano terá começado depois de um conselheiro da Comissão Europeia ter escrito na rede social Facebook que um Uber em que viajou tinha sido atacado por taxistas.

Nessa semana, quatro motoristas da Uber foram atacados numa mesma noite por taxistas nos Países Baixos que protestavam contra os benefícios de que a empresa norte-americana estava a beneficiar, levando Niek van Leeuwen, gestor da organização para aquela região europeia, a relatar a situação ao então presidente executivo, Travis Kalanick.

Com o aval da direcção geral da empresa, Leeuwen fez chegar a sua reacção de indignação perante estes casos junto de vários órgãos de comunicação social dos Países Baixos, alimentando o caso na comunicação social e fazendo um relatório interno em que aconselhava: “Temos de manter esta narrativa da violência”.

A partir daí, a Uber começou a aconselhar os motoristas a fazerem frente à violência dos taxistas, lembrando-os que essa era a melhor forma de proteger os interesses da empresa para a qual trabalhavam. Várias mensagens mostram Kalanick a aconselhar os taxistas a manter esta “narrativa da violência”.

Um porta-voz do ex-líder da Uber disse ao consórcio de jornalistas que essas declarações estão fora de contexto e que Kalanick nunca quis colocar em risco a vida dos motoristas da Uber.

Um dos exemplos apresentados pela investigação do ICIJ — citado pelo jornal The Washington Post, um dos jornais envolvidos nesta investigação — ocorreu em Portugal, em 2015, quando taxistas cometeram “actos de violência” contra motoristas da Uber em diversas ocasiões, provocando ferimentos em vários e levando um deles a ser hospitalizado.

A contestação ao serviço Uber em Portugal, e à falta de regulação da sua actividade, cresceu de tom ao longo do primeiro semestre de 2015, culminando, no final do mês de Junho, na confirmação de uma providência cautelar, apresentada pela Associação Nacional de Transportadores Rodoviários em Automóveis Ligeiros (ANTRAL), junto do Tribunal Central de Lisboa, para a suspensão da actividade da plataforma tecnológica.

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Protesto de taxistas em 2016, no Porto Nelson Garrido

As acções de taxistas portugueses sucederam-se ao longo do segundo trimestre e voltaram a ganhar dimensão em Setembro e Outuro, com manifestações que chegaram a ser realizadas, em simultâneo, em Lisboa, Porto e Faro.

Na altura, Portugal estava em vésperas de eleições legislativas, que levaram à mudança de Governo. A regulação das plataformas tecnológicas para o transporte de passageiros só viria a entrar em vigor em 2018.

De acordo com a Uber Files, em Julho de 2015, Rui Bento, então gestor da Uber em Portugal, admitiu que estava “a ponderar” apresentar a informação dos ataques e dos ferimentos aos meios de comunicação locais. Nesta altura, a ANTRAL, a maior associação de taxistas em Portugal, procurava contrariar a estratégia de expansão da Uber.

Nas mensagens, Rui Bento explica que o objectivo era “criar uma ligação directa entre as declarações públicas de violência do presidente da ANTRAL (Florêncio Almeida) e estas acções, para degradar a sua imagem pública”.

Em resposta a esta mensagem de Rui Bento, Yuri Fernandez, gestor de comunicação da Uber, propôs que se investigasse o passado de Florêncio Almeida: “Para ver se temos alguma coisa ‘sexy’ para os ‘media’”, de acordo com os documentos citados pela investigação.

Bento e Fernandez não responderam aos pedidos de comentário dos jornalistas do ICIJ.

A investigação do ICIJ apresenta casos semelhantes noutros países, como a Suíça, onde um violento ataque de um taxista em Genebra contra um motorista da Uber foi analisado como podendo ter potencial para obter benesses do Governo de Berna.