Nas barragens, é preciso “gerir melhor a água que temos”

Há agora sete albufeiras com “sérias restrições” ao consumo. Temperaturas elevadas e falta de precipitação dos próximos meses podem agravar a situação.

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Barragem do Alto Rabagão (Montalegre) no início de Julho PEDRO SARMENTO COSTA/LUSA

O pouco que choveu durante o Inverno e o pouco que se prevê que chova nestes próximos dois meses de Verão tornam quase certo que a situação nas barragens se agrave. Existem sete barragens com “sérias restrições” ao consumo e grande parte das albufeiras a nível nacional está numa situação “mais desfavorável” do que em anos anteriores.

Não é um problema que vem de agora. No início do ano, foram semanas e semanas sem chover: 2022 começou com o mês de Janeiro a ser considerado o mais seco desde 1931 e com Fevereiro a ser o terceiro mais seco desde o mesmo ano. De Outubro até agora, só em Março é que se registaram valores de precipitação acima do normal, sobretudo na região Sul. As chuvas de Março ajudaram a aligeirar a situação de seca extrema que se vivia em pleno Inverno, mas o problema da seca manteve-se. A falta de precipitação fez-se sentir nas barragens e o Governo decidiu, em Fevereiro, suspender a actividade hidroeléctrica nas barragens que enfrentavam situações mais críticas.

Como choveu metade do que era previsto no último Inverno, “esta condição não permitiu que ocorresse a normal reposição dos níveis de água nas barragens” durante os meses de Inverno, refere Ricardo Deus, chefe da divisão de clima e alterações climáticas do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). “A precipitação neste ano hidrológico não foi suficiente”, argumenta. “Se temos um reservatório que tem um volume de água e só se retira água e não há reposição [pluvial], é normal que diminua o volume de água disponível”, simplifica Ricardo Deus.

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Por agora, há sete albufeiras que têm “sérias restrições”. A da Bravura e de Campilhas estão sem utilização agrícola; a de Arcossó e Vale Madeiro têm “muitas restrições”, assim como as de Fonte Serne, Monte da Rocha e Santa Clara. Nas de Arcossó, Vale Madeiro, Santa Clara e Bravura está “assegurado o abastecimento público”. Segundo se disse na reunião da Comissão Permanente, de Prevenção, Monitorização e Acompanhamento dos Efeitos da Seca (a 21 de Junho), a barragem da Bravura está somente dedicada a abastecimento público e na barragem de Santa Clara, no rio Mira, ainda é possível ter água para rega. A produção de energia está ainda condicionada nas albufeiras do Alto Lindoso, Alto Rabagão, Guilhofrei, Cabril, Castelo de Bode e agora também em Vilar-Tabuaço.

“Sobre novas medidas – a haver –, serão anunciadas na nova reunião interministerial da seca, a realizar em Julho”, disse ao PÚBLICO fonte do gabinete de comunicação do Ministério do Ambiente.

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Na Galiza, a antiga aldeia de Aceredo, submersa pela barragem do Alto Lindoso, ficou a descoberto por causa da seca Paulo Pimenta

Segundo o relatório resultante da reunião da Comissão da Seca de Junho, há várias barragens em situação crítica: a do Alto Rabagão, do Alto Lindoso/Touvedo, do Monte da Rocha, de Santa Clara, da Bravura, de Vilar-Tabuaço e do Cabril. No que toca as barragens, neste ano “verifica-se uma situação mais desfavorável” do que em igual período de 2017, refere o documento.

Das 58 albufeiras monitorizadas pelo Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), 14 têm disponibilidades inferiores a 40% do volume total e dez têm disponibilidades hídricas superiores a 80%. De 30 de Junho para 4 de Julho, registou-se uma diminuição do volume armazenado em 13 bacias hidrográficas. O armazenamento de água na primeira semana de Julho por bacia hidrográfica é “inferior à média de armazenamento de Julho de 1990/91 a 2020/21”, diz ainda o SNIRH, excepto em quatro bacias (Ave, Douro, Mondego e Guadiana).

O boletim da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e do SNIRH de 4 de Julho mostra também que há pelo menos duas bacias hidrográficas em estado crítico de armazenamento de água: a do Barlavento, que tem um volume armazenado de apenas 12,9% (quando a média é de 67%) e a do Lima, com um volume armazenado de 18,6% (quando a média é de 67,4%). Em estado também grave estão as bacias do Cávado (com 39% armazenado quando a média é de 67,4%) e a de Mira (com 38,3% armazenado sendo a média 73,9%). A bacia hidrográfica que está em melhores condições de armazenamento é a do Mondego, com um volume armazenado de 84,4%, superior à média geralmente registada nessa bacia, que é de 77,9%.

O que se pode fazer?

“Isto obriga-nos a gerir melhor a água que temos”, considera o chefe de divisão de clima e alterações climáticas do IPMA. “Já todos percebemos que temos as nossas reservas em alguns casos bastante reduzidas; portanto, temos de saber gerir melhor”, conclui.

Além da falta de reposição das águas nas barragens, as temperaturas elevadas esperadas para os próximos meses poderão complicar a situação: “Tendo em conta as previsões que estamos a avançar, vamos ter aqui um fenómeno de evaporação, que também pode contribuir para retirar água desses reservatórios”, diz. “Tudo isto contribui para que o problema da gestão da água seja mais real.”

A geógrafa Maria José Roxo deposita as suas esperanças no próximo Inverno: “Se nós tivéssemos um Outono e Inverno em que chovesse, ainda podíamos ter uma recuperação e talvez não fosse necessário fazer mais restrições [de água nas barragens]”, diz. “Agora, se chegarmos a Outubro e não tivermos chuva, de certeza que vai haver restrições em algumas áreas do país.” E, nesse caso, será preciso fazer escolhas. É preciso ver que água é destinada ao consumo humano, à agricultura, à parte económica, ao turismo. “Vai haver aqui decisões complicadas de tomar”, defende Maria José Roxo.

“As medidas possíveis”, diz Ricardo Deus, estão relacionadas com a gestão dos recursos hídricos. Tendo em conta os baixos níveis de precipitação deste ano – que continuará abaixo do normal durante os próximos dois meses –, “poderemos inferir que não haverá reposição de água por precipitação nos diversos sistemas de retenção de água, pelo que será expectável que sejam tomadas medidas adicionais”, analisa Ricardo Deus.

Em Itália, por exemplo, têm-se registado temperaturas elevadas e as cidades de Verona e Pisa anunciaram restrições para o consumo de água, que só pode ser usada para fins domésticos e de higiene pessoal. Outros municípios (sobretudo no Norte do país) estão a racionar água há várias semanas por causa da seca. Poderá algo semelhante acontecer em Portugal?

“É um cenário que não estará colocado de parte pelas autoridades competentes”, diz Ricardo Deus. E lembra que, noutros anos de seca em Portugal, “houve necessidade de corporações de bombeiros com os seus autotanques transportarem água para abastecimento a povoações” da região interior Norte do país, o que diz ser uma medida de racionamento.

No início de Julho, o Governo garantia que está assegurada água para consumo humano nos próximos dois anos (tal como já o tinha feito o antigo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, em Março), mesmo sem chuva, mas que poderá haver racionamentos em determinadas zonas do país, nomeadamente na agricultura. Desta vez, a garantia foi dada pelo secretário de Estado da Conservação da Natureza, das Florestas e Ordenamento do Território, João Catarino. “Não faltará água para consumo humano, mesmo que as condições se mantenham, e, pelos vistos, se vão agravar”, afirmou. Mas diz que é preciso fazer um uso “mais eficiente” da água na rega, em casa, na agricultura. Ainda assim, Maria José Roxo pede cautela nestas afirmações: “Ter água para consumo humano para dois anos implica não ter água para outras actividades.”

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