No Tour, pouco há a fazer contra Tadej Pogacar

Jonas Vingegaard colocou a nu que Tadej Pogacar afinal também é humano e vacila como os demais (e esta pode ser uma grande notícia para a competição), mas o esloveno renasceu, recuperou e venceu em cima da meta, mesmo quando já parecia batido.

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EPA/CHRISTOPHE PETIT-TESSON

Tadej Pogacar ataca quando é previsível. Ataca quando não é. Vence quando todos o apontam como favorito. Vence quando a etapa até nem seria para ele. Mantém-se imune a azares quando tudo corre mal aos rivais. Renasce quando parece batido. O que fazer contra tudo isto? Até ver, nada.

Nesta sexta-feira, na Volta a França, o esloveno mostrou alguns sinais de humanidade quando foi atacado por Jonas Vingegaard, mas renasceu quando parecia “morto”, triunfando na etapa 6, na chegada à Planche des Belles Filles, escalada muito dura na zona Este gaulesa.

Esta etapa até nem era, em tese, o dia em que o esloveno teria de atacar – em bom rigor, o campeão do Tour até nem é quem tem de ser ofensivo em dia algum –, mas Pogacar simplesmente não consegue esfriar o ímpeto atacante e reservar energias.

Nessa medida, teve a equipa Emirates a trabalhar muito para anular uma fuga que não trazia qualquer perigo para Pogacar – a frágil equipa pagará a factura física daqui a uns dias? – e o esloveno, que já mostrou que vence com ou sem ajuda, cumpriu com o que a equipa lhe proporcionou e deixou todos para trás, com uma ultrapassagem a Vingegaard em cima da linha de meta.

Num dos finais em alto mais emocionantes dos últimos anos (vídeo em cima), o ciclista da Jumbo colocou a nu que Pogacar afinal também vacila (e esta pode ser uma grande notícia para a competição) e o próprio esloveno mostrou-o quando respirava de forma ofegante no final do dia – algo incomum.

Antes desta etapa, o trepador italiano Giulio Ciccone disse que “para bater este rapaz [Pogacar], a única forma é ir para a fuga”. A ideia do ciclista da Trek até podia fazer sentido, mas Pogacar tratou de a esvaziar: por estes dias, com fuga ou sem fuga, bater o esloveno parece ser uma quimera.

“Com a minha namorada e a minha família na meta, e depois de os meus rapazes terem trabalhado tanto durante o dia, eu tinha de arranjar força”, disse o esloveno, após a etapa. E deu mais um argumento: “Era um dia muito especial. Abrimos uma fundação para investigação relativa ao cancro e hoje até calcei sapatos especiais alusivos a isso. Era um grande objectivo ganhar hoje, até porque o Vingegaard neste momento é provavelmente o melhor trepador do mundo e sei que no ciclismo nenhuma diferença é suficiente”.

Fuga forte

Nesta etapa, a fuga demorou a ser formada, mas acabou por sair do pelotão um lote de 11 ciclistas com alguns nomes de grande nível como Kämna, Ciccone, Pedersen, Schachmann, Teuns, Asgreen ou Geschke – ainda assim, sem nenhum candidato ao triunfo no Tour.

A Emirates colocou Laengen na frente, mas a mais de 100 quilómetros da meta… começou a perseguir o seu próprio fugitivo. Laengen naturalmente desistiu da aventura e deixou os dez companheiros, juntando-se mais atrás ao bloco da Emirates que comandava a perseguição.

E neste momento havia dois cenários: ou a equipa de Pogacar estava com uma estratégia bizarra e desprovida de qualquer nexo – havia até quem pensasse que poderiam deixar a camisola amarela ir para outra equipa, poupando a já frágil Emirates de comandar as próximas etapas e de trabalhar tanto num dia que não teria de ser de ataque – ou Pogacar estava com vontade (e pernas) para destruir os rivais já hoje, em vez de esperar por domingo.

E era mesmo este segundo cenário, explicado em parte pela presença da família de Pogacar na meta. Essa motivação retirou ao esloveno qualquer pudor em atacar na subida à Planche des Belles Filles, que se apresentava sob a forma de sete quilómetros com mais de 8% de inclinação média e um “muro” final a 24%.

Na frente quem sobrava eram sete elementos, depois de algumas desavenças na fuga com as quais a Bora, tendo dois nomes fortes, acabou por jogar. Schachmann e Kämna prestaram-se ao ataque, rebocando Durbridge, o único inicialmente capaz de seguir o ritmo, mas depois também Geschke e Teuns, numa primeira fase, e Erviti e Barthe, num segundo momento.

A fuga entrou na subida final com apenas 1m30s de vantagem para um pelotão comandado já nem sempre pela Emirates, certamente bastante desgastada, mas também pela Ineos, pela Astana e por vezes pela Cofidis (estranha a postura auto-destrutiva da equipa francesa, tendo Geschke na frente).

A três quilómetros da meta apareceu uma das notícias do dia: Vlasov a “descolar” – a Bora provavelmente já saberia das más sensações de Vlasov e talvez por isso tenha colocado dois ciclistas em fuga, focando-se na luta por etapas.

Já dentro do último quilómetro acabou o trabalho de Majka, o último Emirates antes de Pogacar, e o camisola amarela entrou ao serviço para si próprio. Yates vacilou, tal como Caruso, e sobraram apenas Roglic, Vingegaard, Thomas e Bardet.

Já com Kämna à vista, o último fugitivo, Vingegaard atacou e parecia ter a etapa no bolso, além de estar a expor fragilidades de Pogacar pela primeira vez. Mas o esloveno renasceu e foi buscar energias não se sabe exactamente onde. Esta subida mostrou que há pouco a fazer quanto a Pogacar (que segue com 35 segundos de vantagem para Vingegaard e 1m10s para Thomas) e que Vingegaard terá de ser necessariamente o líder da Jumbo daqui em diante – e não Roglic.

Quanto aos portugueses, Rúben Guerreiro chegou no top 30, a 2m16s de Pogacar, e Nélson Oliveira em 69.º lugar, a mais de sete minutos. Ambos seguem muito atrasados na classificação geral, mas nenhum tem essa preocupação: Oliveira quer ajudar a Movistar com “trabalho sujo” e Guerreiro quererá, assim permitam as dores, lutar por etapas.

Para este sábado está agendada uma etapa de transição antes da chegada em alto de domingo. O pelotão vai atravessar diversas contagens de montanha de terceira e quarta categorias e será um dia bastante aberto: uma fuga poderá vingar, uma chegada em pelotão compacto pode permitir ataques de puncheurs na ponta final ou até alguns dos candidatos à vitória no Tour poderão atacar pelas bonificações.

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