Rótulo “verde” para gás e energia nuclear vai a votos no Parlamento Europeu

Eurodeputados divididos sobre o sistema de classificação das actividades económicas que podem ser designadas como investimentos sustentáveis na UE. Se passar, alguns países ameaçam processar a Comissão Europeia.

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Central nuclear de Belleville-sur-Loire, em França BENOIT TESSIER/Reuters

Ninguém se arrisca a fazer prognósticos sobre qual será o resultado da votação no Parlamento Europeu nesta quarta-feira sobre um plano apresentado pela Comissão Europeia para classificar investimentos em gás natural e energia nuclear como sustentáveis, que tem gerado enorme polémica. “A votação vai ser muito à justa, mas espero que seja possível impedir o avanço do acto delegado complementar da taxonomia verde”, disse ao PÚBLICO Sandrine Dixson-Decléve, co-presidente da organização de reflexão Clube de Roma.

O que está em causa é a votação de uma objecção das comissões dos Assuntos Económicos e Monetários e do Ambiente do Parlamento Europeu à proposta da Comissão Europeia – o acto delegado complementar da taxonomia do financiamento sustentável. Só a oposição de uma maioria qualificada reforçada de 20 dos 27 Estados-membros da União Europeia, o voto contra de pelo menos 353 eurodeputados no plenário, ou uma decisão judicial, poderá impedir a sua entrada em vigor.

Este documento cria um sistema para classificar quais as actividades económicas que podem ser designadas como investimentos sustentáveis. É não só uma lista como um conjunto de critérios que as actividades têm de cumprir para ter o selo “verde”, que o gás e a energia nuclear garantiram. Oficialmente, a decisão foi tomada com base em critérios científicos, e houve um grupo de peritos a aconselhar a Comissão Europeia, nos quais se incluía Sandrine Dixson-Decléve. Mas este grupo sentiu-se traído pela proposta final apresentada pela Comissão: “As recomendações originais não eram para incluir gás e nuclear”, como o fez o documento final, disse.

“Foi muito politizado”, comentou Tsvetelina Kuzmanova, analista do think tank europeu sobre alterações climáticas E3G. “No fundo, digamos que foi um acordo político entre a França [defensora do nuclear] e a Alemanha [que ao decidir abandonar o nuclear, depende do gás para fazer a transição energética]”, acrescentou. “Devíamos era pôr um travão a esta dependência do gás e criar os sinais correctos para os investidores, dar ênfase às energias renováveis”, sublinhou Sandrine Dixson-Decléve.

“Este acto delegado da taxonomia verde já é obsoleto. Vai-se criar mais dependência da Rússia no gás”, afirmou o eurodeputado Christophe Hansen (Partido Popular Europeu), numa conferência de imprensa online que juntou deputados de vários grupos partidários do Parlamento Europeu em torno de um objectivo: convencer mais deputados a votar a favor da objecção. “A Comissão tem de retirar este documento e apresentar uma proposta melhor”, apelou Hansen.

O seu grupo partidário – incluindo o PSD –, o maior do Parlamento Europeu, só deve decidir qual a posição a assumir numa reunião ao fim do dia desta terça-feira – embora o mais provável seja que dê liberdade de voto, devido às divisões que se verificam consoante os países, disse Pedro López, do gabinete de imprensa do PPE ao PÚBLICO. Alguns países, como o Luxemburgo ou a Áustria, têm sido resolutamente contra a inclusão do nuclear e do gás na taxonomia – e ameaçam processar a Comissão Europeia se o processo for para a frente.

“Acho que não se coloca a hipótese de votar contra a objecção”, disse ao PÚBLICO o eurodeputado socialista Carlos Zorrinho. “Estou convencido de que a grande maioria dos deputados do grupo Socialistas e Democratas vai votar a favor da objecção ao acto delegado, e de que essa será a posição, não sei se total, mas claramente maioritária na delegação portuguesa”, vaticinou. Os Socialistas e Democratas vão maioritariamente votar a favor da objecção, disse Paul Tang na conferência de imprensa dos deputados. “Embora algumas delegações, como da Roménia e da Finlândia, não a apoiem”, acrescentou.

O grupo Renovar a Europa (que inclui o partido do Presidente francês Emmanuel Macron) tem a indicação de votar contra a objecção, disse o assessor Michel Chevalier. Mas não será unânime. “Há um pingue-pongue entre França e a Alemanha muito visível no meu grupo. Estou muito desapontada”, disse a eurodeputada Emma Wiesner naquela conferência.

“Esperamos que vingue a objecção que co-assinamos para retirar da taxonomia a energia nuclear e o gás”, disse Marisa Matias, do Bloco de Esquerda. “Se passarem a ser consideradas energias verdes, então de repente voltámos umas décadas atrás e retrocedemos de forma atroz em termos de política climática”, considerou.