Alex, João e Luiz são estafetas e preferem “liberdade” a um contrato de trabalho

Apontam a “flexibilidade” e “liberdade” como as principais vantagens da profissão. Um contrato de trabalho só seria um objetivo “se o vencimento fosse vantajoso”.

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“As oportunidades não são assim tantas, os trabalhos à disposição são com remuneração baixa ou precários” Rui Gaudencio

Alex, João e Luiz são estafetas de plataformas digitais de entregas e em comum têm o facto de não sentirem necessidade de um contrato de trabalho, apontando “flexibilidade” e “liberdade” como as principais vantagens da profissão.

Alex Vieira, como quer se tratado, tem 49 anos e trabalha como estafeta há cerca de dois anos, em Ponta Delgada, nos Açores, fazendo entregas para a Glovo e a Uber.

“Tive 20 anos numa outra actividade, era pastor de uma igreja. Tinha a vida organizada, até que aconteceu uma situação e a minha formação não tinha saída para outro tipo de actividade, os meus estudos não foram reconhecidos. Tentei o ramo imobiliário e não correu bem”, conta.

Alex, que está a tirar um curso de Gestão, viu nas plataformas digitais uma oportunidade para obter um “rendimento agradável”, ao mesmo tempo que consegue a flexibilidade de horários que os estudos lhe exigem.

“As oportunidades não são assim tantas, os trabalhos à disposição são com remuneração baixa ou precários. Dentro do contexto, a plataforma acaba por ser a melhor opção”, afirma, apesar de admitir que gostava de ter outro tipo de trabalho.

“Preferia ter outro tipo de trabalho. Este é um trabalho para desenrascar numa situação de emergência. Acho muito bom em part-time, mas a tempo integral acaba por ser mal pago”, diz, salientando também os perigos inerentes à profissão.

“Eu acho que a plataforma não é um trabalho para ser a tempo inteiro, é um trabalho perigoso, quando comparado com um trabalho regular, numa mota, no trânsito, oito, 10 horas por dia, às vezes mais, é perigoso”, afirma.

Se houvesse a possibilidade de ter um contrato de trabalho com uma das plataformas, Alex “só trabalharia se o vencimento fosse vantajoso”, porque, na sua actual situação, “ter flexibilidade é muito importante”.

São também a “flexibilidade de horário” e “não ter qualquer obrigatoriedade” as vantagens apontadas por João Francisco (nome fictício), de 55 anos, que trabalha com o serviço de entregas desde Setembro de 2020, em Lisboa.

João era bancário e passou à pré-reforma, mas, como é “muito novo para estar sentado no sofá a mudar canais” de televisão, decidiu avançar, para “angariar algum dinheiro para viajar”.

Chega a estar ligado na plataforma “sete, oito, dez horas por dia” e os principais picos de trabalho são a hora de almoço e de jantar. Para João, “um dos principais atractivos” desta profissão é o facto de ser o seu próprio “patrão”, por isso, afirma não sentir “necessidade de ter qualquer contrato laboral”.

“Tenho uma reforma garantida” e “continuarei a trabalhar enquanto a situação for vantajosa, estou satisfeito e é uma forma de ter um rendimento extra”, afirma, alertando, contudo, para as eventuais consequências do aumento do preço dos combustíveis.

“O que está a prejudicar esta actividade é a subida do preço dos combustíveis e quem está a suportar essa subida são os estafetas. Temos uma subida de 30% desde o início do ano”, o que, diz, “obriga a fazer mais contas”.

Também Luiz Vasco, 56 anos, militar reformado, não sente necessidade de ter um contrato de trabalho: “Se quisesse contrato de trabalho, chefe, horário, etc., procuraria um emprego sem problema algum, mas tratamos de liberdade, horário flexível por conta e risco do estafeta, ele está no controlo.[...] Corre-se o risco de o Governo encher o estafeta de ‘direitos’ e deixá-lo desempregado. Não há sentido em comprar e manter uma mota, combustível e consumos [...] para trabalhar para alguém.”

Luiz trabalha há dois anos com a Uber no Porto, está ligado à plataforma em média sete horas por dia e ganha, em média, 1.200 euros por mês. “Iniciei para complementar minha renda [rendimento] familiar com a vantagem de ter flexibilidade nos horários”, diz à Lusa.

Segundo uma proposta do Governo, que será discutida no Parlamento no dia 7 de Julho, a existência de contrato laboral para os trabalhadores das plataformas digitais será presumida entre o prestador da actividade e o operador da plataforma “ou outra pessoa singular ou colectiva” que nela opere.

A norma está prevista na proposta de lei do Governo que procede a alterações à legislação laboral no âmbito da designada Agenda do Trabalho Digno, que foi aprovada em Conselho de Ministros, mas não teve acordo na Concertação Social.

No documento do Governo, o artigo relativo à presunção de contrato de trabalho no âmbito das plataformas digitais prevê que a existência de contrato de trabalho é presumida “quando, na relação entre o prestador de actividade e o operador de plataforma digital, ou outra pessoa singular ou colectiva beneficiária que nela opere” sejam identificadas algumas características.

Segundo o documento, a existência de contrato de trabalho é presumida quando o operador de plataforma digital ou outra pessoa singular ou colectiva fixa uma remuneração, supervisiona a prestação da actividade, restringe a autonomia do prestador de actividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, entre outros critérios.