Oceano: governação e sustentabilidade
Esta semana Lisboa foi palco da 2.ª Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, com mais de 140 países representados. Enquanto ministra do Mar, estive na 1.ª Conferência em 2017 e tive o privilégio de ser responsável, apoiada pelo embaixador Mendonça e Moura, pela apresentação junto da ONU da proposta de organização em Portugal desta 2.ª Conferência, tendo sido decidido que seria coorganizada com o Quénia e teria lugar em Lisboa inicialmente em 2020.
Esta semana, todos sublinharam a necessidade de uma ação forte, coordenada e urgente de defesa do oceano, baseada na ciência e inovação e com a participação da sociedade civil e dos stakeholders.
O oceano é uma importante fonte da biodiversidade e tem um papel determinante no clima, na produção de oxigénio, na segurança alimentar, na economia, na cultura e no lazer, e é uma base do desenvolvimento sustentável e do combate à pobreza.
As alterações climáticas e os seus efeitos sobre o planeta são um facto. A maioria da população, portuguesa e mundial, vive em áreas costeiras que são as que mais dependem do mar para a sua subsistência e também as mais afetadas pela subida do nível das águas, eventos meteorológicos extremos, delapidação do capital natural, acidificação e poluição marítima, em que cerca de 80% é proveniente de terra.
Ao longo das últimas décadas fizeram-se conferências, apontaram-se caminhos e assinaram-se juras de amor ao oceano no final de cada reunião magna. Alguns países, incluindo o nosso, avançaram na rota da sustentabilidade, enquanto os países em desenvolvimento continuam a reivindicar, legitimamente, financiamento, conhecimento e inovação.
Não podemos ter abordagens exclusivamente nacionais. O oceano é só um, interligando o lixo marinho e o aquecimento das águas, continuando o desenvolvimento do Norte a alimentar as ilhas de lixo do Pacífico.
Este é o momento fulcral para colocar os países oceânicos no epicentro da definição das políticas do mar e dar cumprimento ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 da Estratégia da ONU, que se debruça sobre o oceano.
É necessário mudar mentalidades, dos líderes mundiais ao cidadão comum, tornando prioritário a nível mundial o robustecimento dos mecanismos de colaboração, financiamento e partilha de conhecimento e das melhores práticas.
Portugal tem desafios significativos pela grande dimensão do seu espaço marítimo e pela natureza arquipelágica, conferida pelo triângulo Continente, Açores e Madeira, devendo ter em consideração a um tempo a proteção do oceano e os graves circunstancialismos ambientais decorrentes das alterações climáticas e, a outro, o necessário desenvolvimento sustentável da economia azul.
A governação do mar é complexa, uma vez que quer a conceção das políticas quer os seus efeitos funcionam em vários layers sobrepostos, sendo necessárias abordagens multidisciplinares, com vários níveis territoriais, do global ao local, e que permitam às populações serem envolvidas na conceção e concretização de políticas e também usufruírem dos benefícios gerados.
O modelo de governação deverá ser simultaneamente multiterritorial e multidisciplinar, funcionando através de plataformas multinível que assegurem a gestão integrada dos espaços oceânicos e das áreas costeiras.
A Economia do mar deverá representar uma parcela cada vez maior do PIB e simultaneamente ser um fator de coesão territorial. Em Portugal, entre 2015 e 2019, o peso da economia azul duplicou, atingindo os 5% do PIB em 2019.
Deverá continuar a crescer, de forma sustentável, quer nas vertentes tradicionais, como o turismo e o shipping ou a pesca e a aquacultura, quer nas emergentes, como as energias renováveis offshore e a utilização sustentável do capital natural. Até a preservação e recuperação de áreas marinhas podem promover novas atividades económicas numa base de inovação e sustentabilidade.
O desenvolvimento económico não é necessariamente sinónimo de desrespeito pela sustentabilidade. A interação entre decisores políticos, empresas e centros de investigação e inovação, tem permitido avanços na “economia do capital natural” e na “economia circular”.
As transições energética e digital, a descarbonização e a evolução biotecnológica são determinantes no reforço da sustentabilidade da economia azul. A relevância das energias renováveis oceânicas torna-se ainda mais evidente com a guerra da Ucrânia.
A ambição da neutralidade carbónica é realista, mas implica mudança. No setor marítimo, o processo de descarbonização consistirá numa autêntica revolução, com a utilização offshore de combustíveis alternativos, com baixo teor de carbono e produzidos através de fontes de energia renovável.
Os objetivos do Green Deal impõem aos agentes económicos um aumento de custos de investimento, mas também podem oferecer oportunidades de atividade económica que contribua para melhorar os ecossistemas marítimos e terrestres, bem como gerar capacidade de a economia azul financiar a preservação e recuperação do oceano.
Em Portugal temos o que é necessário para continuar este caminho: instrumentos de planeamento, a Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030, o plano de ordenamento do espaço marítimo com o mapeamento das atividades económicas e áreas de proteção, estratégias setoriais com objetivos e metas concretas, o Ocean Campus, a aposta na literacia, desde a Escola Azul até ao nível universitário e temos dos melhores cientistas do mundo.
A Conferência dos Oceanos contribui para robustecer a rota da sustentabilidade no cumprimento do ODS 14: partilhando experiências, estabelecendo sinergias e atuando como plataforma para o anúncio de Compromissos Voluntários e facilitando o trabalho em rede e o intercâmbio de soluções para apoiar e financiar a sua implementação.
Espera-se que as estratégias aprovadas em 2017 e o debate e conclusões desta 2.ª Conferência dos Oceanos permitam atingir um novo patamar na defesa do oceano e da economia azul.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico