Temos de sair da “auto-estrada que vai para o inferno” para que os recifes de coral não desapareçam
Fundo que apoia os recifes de coral no mundo obteve mais 20 milhões de dólares esta semana, somando agora 170 milhões de dólares. “As soluções existem, mas é preciso dinheiro”, disse enviado especial da ONU para os Oceanos em Lisboa. “É inaceitável” que deixemos extinguir recifes.
Diversos e vulneráveis – assim poderíamos definir os recifes de coral em poucas palavras. Estes ecossistemas são a casa de 25% da vida marinha, mas também são dos que enfrentam mais ameaças. Se não baixarmos drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa, os corais podem enfrentar branqueamentos que os podem levar à morte. “Podemos salvá-los? Como o poderemos fazer? É preciso dinheiro”, afirmou Peter Thomson, enviado especial das Nações Unidas para os Oceanos, numa sessão da Conferência dos Oceanos, em Lisboa, onde se falou de financiamento para os recifes.
“Estamos a assistir à degradação dos recifes de coral”, disse sem meias palavras Chuck Cooper, presidente da comissão executiva do Global Fund for Coral Reefs (GFCR). “Mas não estamos só a assistir à crise dos corais, mas também a um défice de financiamento, o que os coloca mais em risco.”
O GFCR é uma iniciativa criada para financiar os recifes de coral a nível global. Até agora, entre doadores públicos e privados, já conseguiu mobilizar mais de 170 milhões de dólares (cerca de 163 milhões de euros). Nesse valor, incluem-se cerca de 20 milhões de dólares (cerca de 19 milhões de euros) vindos da Bloomberg Philanthropies e da Builders Vision – duas plataformas de filantropia.
“Estamos a tentar mobilizar o sector privado. Se conseguirmos mobilizar financiamento, conseguiremos fazer a diferença nos recifes de coral”, defendeu ao PÚBLICO Chuck Cooper, acrescentando que também há doadores públicos, como os Governos do Reino Unido, do Canadá, de França e da Alemanha.
Neste momento, este fundo para os corais está a ser aplicado em 11 países, mas já se está a planear a trabalhar com mais 14. Todos eles são países em vias de desenvolvimento. Chuck Cooper refere que são encontrados os recifes mais resistentes e tenta-se protegê-los o mais que se conseguir. Além de se pretender que haja um impacto na conservação, quer-se que os projectos que se desenvolvam tenham um retorno.
Um dos projectos que o fundo está neste momento a apoiar está a ser desenvolvido nas Fiji. Por exemplo, aí está a tentar melhorar-se as condições de tratamento de águas residuais para que as descargas não tenham impactos negativos nos recifes. “Estamos a identificar os pontos dessas descargas e a tentar fazer instalações para tratamento para que sejam tratadas de forma certa e não vão para a água. Assim, vamos ter um retorno de investimento e ter um impacto positivo nos recifes de coral.”
A ouvir este exemplo na sessão, Peter Thomson logo congratulou a iniciativa e confidenciou. “Sou das Fiji e está lá o terceiro maior recife no hemisfério Sul. É muito importante.” Até contou que já lá tem mergulhado.
“Temos de actuar!”
Ao PÚBLICO, Chuck Cooper destacou que o mais preocupante em relação aos recifes de coral são as alterações climáticas. “Estamos a correr contra o tempo. Os recifes de coral enfrentam grandes pressões e as alterações climáticas são a principal. Depois há a pesca excessiva, a poluição e os plásticos. Temos de actuar.”
O responsável da GFCR diz que não consegue identificar uma área geográfica onde os corais estão em perigo e isso também se torna preocupante. “Estamos profundamente preocupados com a situação a nível mundial. Há fenómenos de branqueamento [que os deixa sem cor e pode levar à morte] por todo o mundo, o que está ligado ao aquecimento das águas do oceano.”
Peter Thomson também deixou grandes alertas apoiados com números. “Prevê-se que recifes de coral estejam extintos até ao final do século. Pelo menos 90% [há estimativas de que seja entre 70 e 90%] devem ficar extintos até 2050. Basicamente, a quase extinção dos corais neste século. É inaceitável!” Estas projecções têm sido divulgadas pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente.
Para que se compreenda a gravidade da situação, o enviado especial das Nações Unidas lançou uma metáfora: “Estamos numa auto-estrada que vai para o inferno.” Peter Thomson metaforizou que a situação actual com o aquecimento global é como se estivéssemos numa auto-estrada a alta velocidade e conseguíssemos ver um sinal com três graus Celsius – o aumento de temperatura que pode acontecer no planeta até ao fim do século face à era pré-industrial. “Temos filhos no carro a dizer: ‘Pai, quero ir para casa...’ Mas nós vamos na mesma em direcção aos três graus. Na bagageira há dinheiro a voar para fora”, narrou. Mesmo assim, nessa auto-estrada vai havendo sinais de esperança: “Há uma pequena estrada à direita com a indicação dos 1,5 graus [Celsius, o valor que se tem apelado em acordos, como o de Paris]. É uma estrada de terra batida estreita.” É por aí que devemos ir. “Os três graus são um mundo de pragas e calor.”
E nem por segundos esquece que essa “auto-estrada para o inferno” pode levar ao desaparecimento de recifes de coral. Contudo, Peter Thomson resigna-se a que isso aconteça: “Temos de actuar! Temos de rejeitar a extinção dos recifes de coral. Não! Nós queremos os corais na nossa vida”, disse num tom determinado.
Como salvá-los? É preciso mais dinheiro para criar soluções, como recifes de coral mais resistentes ou plantar “mais florestas de corais”, e transformar o sector da energia. “As soluções existem, mas é preciso dinheiro. E até parece que estamos a falar de muito dinheiro…”, assinalou, referindo que indústrias como a petrolífera têm financiamento que daria para resolver muitos problemas ambientais.
“O nosso plano para sobreviver são o Acordo de Paris [um compromisso para conter o aquecimento global] e os ODS [Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, adoptados pela ONU], concretizou. Peter Thomson mencionou mesmo que o Objectivo do Desenvolvimento do Milénio 14 é o que terá menos financiamento. Este objectivo tem como tema a conservação ou o uso sustentável do oceano e esteve a ser discutido nesta conferência.
Acima de tudo, Peter Thomson gostaria que algo tenha ficado bem claro nestes dias de conferência em Lisboa: “Sem um oceano saudável, não podemos ter um planeta saudável.”