Marcelo Rebelo de Sousa: “Queremos mais ambição, mais acção, mais juventude, mais financiamento”

Depois de uma semana de debate, sai de Lisboa um diagnóstico sobre o estado de saúde dos oceanos e do que pode ser feito para o ajudar. Marcelo Rebelo de Sousa pede mais acção.

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Os oceanos estiveram em discussão esta semana, em Lisboa Nuno Ferreira Santos

Chegou ao fim a Conferência dos Oceanos, com a adopção da declaração de Lisboa intitulada O Nosso Oceano, O Nosso Futuro, A Nossa Responsabilidade, que reúne um conjunto de medidas do que pode ser feito para salvar os oceanos. Sem objecções, a declaração política foi aprovada por unanimidade na tarde desta sexta-feira. “Queremos mais ambição, mais acção, mais juventude, mais financiamento”, resumiu o Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa.

Na cerimónia de encerramento, o Presidente disse que era preciso acção, acção, acção. Para que as conferências não sejam só uma repetição de intenções, disse, e porque o tempo está “a correr contra nós”. Além disso, tinha como objectivo que esta fosse uma “conferência de paz entre a natureza e as pessoas”. Que fosse um momento de mobilização e não de contemplação. “Longa vida aos oceanos.”

Durante esta semana, juntaram-se em Lisboa quase 7000 pessoas de 157 países para discutir o futuro dos oceanos. Marcelo Rebelo de Sousa deu os parabéns a quem organizou a conferência das Nações Unidas: ao Quénia, ao secretário-geral António Guterres, e também “ao primeiro-ministro, António Costa, e ao seu governo”. O Presidente puxou ainda os jovens para a conversa, dizendo que “sem as futuras gerações, perderemos o futuro e o presente”.

“A declaração que acabou de ser adoptada mostra um forte sinal da necessidade de agir com urgência para aumentar a saúde, uso sustentável e resiliência do oceano, resumiu o subsecretário-geral das Nações Unidas para Assuntos Jurídicos, Miguel de Serpa Soares, durante o plenário. “Foi um grande sucesso”, disse, acrescentando que os países costeiros foram muito afectados pela pandemia de covid-19 e que os grupos marginalizados devem ser mais ouvidos.

“A ciência e o conhecimento sobre os oceanos estão no coração da acção que deve ser tomada”, afirmou. E explicou que é necessária cooperação internacional e que as áreas marinhas protegidas têm de ser mais bem geridas. “A pressão em múltiplas frentes do oceano continua a acelerar.” Agora, é preciso que os países se comprometam “a seguir as promessas” feitas na cimeira. Na conferência de imprensa que se seguiu, o conselheiro especial dos presidentes da Conferência disse que “2022 está inesperadamente a tornar-se um super-ano para os oceanos”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, disse ao final da tarde que esta é uma “declaração política forte”. E deixou alguns destaques: “O compromisso para que a tomada de decisões se baseie no conhecimento científico, a ênfase na economia azul sustentável, a identificação clara de que não haverá transição verde sem uma transição azul, o compromisso de mais de uma centena de Estados com o objectivo de proteger 30% das áreas marinhas até 2030”. Foram mais de 2000 compromissos, disse. “Espero que daqui a alguns anos, no futuro, possamos olhar para trás e ver esta conferência como um momento em que começamos a assumir a responsabilidade pelo planeta”, concluiu.

Ouvidas pela Lusa, várias associações ambientalistas (Zero, Oikos e Sciaena) disseram que a conferência pecou por falta de inclusividade e que as acções anunciadas por Portugal eram pouco ambiciosas.

É de jovens que se faz o futuro

O enviado especial das Nações Unidas para os Oceanos, Peter Thomson, entregou uma mensagem de António Guterres: “Daqui em diante, os jovens não ficam sentados à margem das conferências”, disse o enviado, arrancando palmas da plateia. “É o futuro deles que estamos a decidir.” Algumas das propostas ouvidas no domingo no Fórum da Inovação e Juventude, em Carcavelos, fazem parte do documento final.

Peter Thomson referiu ainda que existe “uma dívida de grande gratidão com os governos de Portugal e Quénia” por terem organizado a Conferência dos Oceanos. E considerou que a conferência de Lisboa proporcionou uma “grande onda de optimismo e soluções”. Ainda assim, alertou que o ambiente está em “alerta vermelho”. Se queremos reconquistar a saúde dos Oceanos, “temos de fazer a coisa certa em 2022”.

“Estamos a ficar sem tempo e sem desculpas”, resumiu o representante da Dinamarca, Martin Bille Hermann.

O plenário final começou com um resumo do que foi discutido durante a semana: a necessidade de se proteger o oceano, de travar a poluição (sobretudo por plástico), de combater a acidificação e aquecimento das águas, de impedir a pesca ilegal, não reportada e não regulada (IUU), a importância de se garantir financiamento e uma gestão activa das áreas marinhas.

Falando sobre a água, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, pediu uma “abordagem holística da nascente até ao mar”, “com vontade política e acções concretas, não deixando ninguém para trás”.

Um dos momentos de maior tensão na sala principal foi quando os representantes de Palau criticaram o facto de os membros de Taiwan não terem podido estar presentes na conferência, depois de um bloqueio da China. “Vemos isto como uma violação dos nossos direitos de soberania. Nenhum Estado ou Estados deveriam poder decidir a composição da delegação de outro Estado-membro”, referiu a representante da delegação do Palau. A delegação da China pediu para responder e disse que as Nações Unidas aceitavam que Taiwan faz parte do território chinês e que, como tal, “Taiwan não poderia marcar presença numa conferência internacional”. A declaração chinesa quase não teve palmas, ao contrário da anterior.

O que se fez nesta conferência?

Foram cinco dias de discussão, muitas palavras e intenções (acções foram menos): pediu-se urgência para que fosse concluído o acordo internacional para o alto-mar, para lá da jurisdição dos países, que continuará a ser negociado de 15 a 26 de Agosto, em Nova Iorque. Falou-se dos desafios que existem em torno do tratado mundial para o plástico, juridicamente vinculativo, que terá de ficar pronto até 2024.

O Presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou a candidatura conjunta de França e da Costa Rica para organizarem a próxima Conferência dos Oceanos. Um relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) mostrou que nunca comemos tantos animais vindo da água como agora, e que a aquacultura está em crescimento acelerado.

Disse-se que não se pode resolver os problemas dos oceanos sem resolver o problema do clima (e que salvar o oceano ajuda a travar as alterações climáticas). Os Estados Unidos anunciaram que aderiram à Aliança Internacional de Combate à Acidificação dos Oceanos. Foi lançada uma “Promessa do Oceano” para ajudar a recuperar anualmente mil milhões de dólares perdidos por mau aproveitamento e gestão do potencial dos oceanos. A Austrália anunciou que vai investir 1,1 mil milhões de euros na preservação da Grande Barreira de Coral.

O primeiro-ministro, António Costa, esteve reunido com o secretário-geral da ONU e disse que desta conferência deveriam sair “acções drásticas para enfrentar a emergência oceânica”. E ressalvou que Portugal quer cumprir a meta de proteger 30% das áreas marinhas até 2030. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) criou uma plataforma de cooperação para combater a pesca ilegal.

O Quénia anunciou também que vai aprovar legislação para o crime de “ecocídio”. O Príncipe Alberto II do Mónaco anunciou que quer mais três áreas marinhas protegidas na Antárctida, como parte de um gigantesco santuário no oceano Antárctico. À margem da conferência, houve também uma Marcha Azul pelo Clima, que pedia precisamente que os políticos passassem das palavras às acções para salvar os oceanos. Na própria conferência, muitos jovens presentes disseram que queriam ser a voz da mudança nos oceanos.

E, ainda no domingo, mais de uma centena de jovens procurou respostas para ajudar o oceano e foram surpreendidos pelo actor Jason Momoa, que na segunda-feira ganhou o título de embaixador das Nações unidas para a Vida Marinha. Nesse encontro na praia de Carcavelos, António Guterres pediu desculpa à geração que vai “herdar um planeta com problemas”. com Clara Barata