“Os microplásticos nas praias são 500 vezes mais do que as estrelas na nossa galáxia”

Não se fala o suficiente sobre os problemas dos oceanos, diz Virginijus Sinkevicius. Deviam “ser uma parte central da luta contra as alterações climáticas”, defende, e tal começa pela luta contra a pesca ilegal e pelo combate à poluição, sobretudo dos plásticos.

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Virginijus Sinkevicius na praia de Carcavelos Nuno Ferreira Santos

“Os microplásticos nas praias são 500 vezes mais do que as estrelas na nossa galáxia"O comissário europeu do Ambiente, Oceano e Pescas, Virginijus Sinkevičius, chegou na manhã de domingo a Portugal para representar a União Europeia na Conferência dos Oceanos, que termina nesta sexta-feira. Diz que o importante é sobretudo “ganhar ímpeto político” para que haja acção e acredita que a meta de proteger 30% do oceano até ao final da década é realista, mas “vai exigir um grande esforço e capacidade de liderança”.

No domingo, na praia de Carcavelos, o comissário falou com o PÚBLICO antes de participar numa limpeza de praia com jovens, em que esteve à procura de pequenos plásticos na areia. Os microplásticos estão espalhados por todo o planeta e também já foram detectados no corpo humano. “É um número inacreditável que continua a aumentar e aumentar”, disse, e é preciso que sejam regulados e, em muitos casos, proibidos. Sem nunca esquecer que “a poluição não respeita fronteiras”.

Virginijus Sinkevičius tem 31 anos e é comissário europeu desde 2019. Antes, foi ministro da Economia e da Inovação na Lituânia, de onde é natural. Depois da entrevista, o comissário participou na sessão de abertura da Conferência dos Oceanos e já se encontrou com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Todos os anos são pescados mais de 26 milhões de toneladas através de pesca ilegal. O que é que está a ser feito a nível europeu para resolver esta questão?
Temos uma política muito restrita de tolerância zero na União Europeia em relação à pesca IUU [sigla que corresponde à pesca ilegal, não reportada e não regulada]. As embarcações que são apanhadas a fazerem pesca ilegal perdem qualquer acesso a apoios públicos e são penalizadas por essas actividades. O que é mesmo importante é intensificar estes esforços a um nível global e ter uma acção global. Em Genebra [numa cimeira da Organização Mundial do Comércio] tivemos um grande salto, concordámos em eliminar quaisquer subsídios a actividades ligadas à IUU, que é um grande primeiro passo. Mas os países têm de fazer mais e ter a mesma abordagem de tolerância zero em relação à pesca ilegal. Porque isto não é só danoso para o ambiente, é também nocivo para as próprias actividades pesqueiras.

Para as comunidades locais?
Sim. Os pescadores honestos que ficam sem peixe para capturar. Não existem condições equitativas. Claro que isto torna as coisas ainda mais difíceis quando se trata de aplicar os principais princípios das políticas de pesca, que é a sustentabilidade, a economia, a parte social. Se queremos que as medidas relativas à pesca funcionem, precisamos de lutar contra a IUU.

A monitorização e a fiscalização são o mais importante?
Sim, é importante. Mas também é a aplicação de medidas, é ter medidas que estejam operacionais no terreno, tê-las completamente em acção, multas proporcionais que teriam um efeito em que não seria possível continuar a pescar se se enveredar pela IUU. Portanto ainda há muito trabalho a ser feito a nível global.

E algum desse trabalho sairá desta Conferência dos Oceanos?
Sem dúvida. São oportunidades únicas que temos. Uma conferência dedicada só aos oceanos dá-nos a oportunidade de trazer assuntos maiores relacionados com o oceano. A IUU é um desses temas.

Mas há medidas em concreto?
O que é importante é aplicar aquilo com que concordámos na WTO [Organização Mundial do Comércio]. É um grande passo em frente. Temos de começar com o financiamento e garantir que não existem subsídios para aqueles que enveredam pela pesca IUU.

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E acha que é exequível chegar aos 30% de protecção dos oceanos até 2030?
Será extremamente difícil porque já estamos a meio de 2022, portanto temos praticamente sete anos e meio. É exequível desde que façamos o esforço. O que é muito importante agora é ganhar ímpeto político. Ímpeto esse que pode ser levado até ao final do ano na CBD [Convenção da Diversidade Biológica], no Canadá, em que vamos acordar o enquadramento legal a nível global. Claro que não se trata só de ter este grande número de áreas protegidas, mas ter essa área devidamente gerida com planos de gestão estabelecidos, financiamento dedicado só a isso, investigação e actividades científicas. Há muito mais além da protecção. Parece-me uma meta realista, mas vai exigir um grande esforço e capacidade de liderança.

E acção no terreno?
Sem dúvida.

Também veio a Portugal para falar sobre a poluição por plásticos e participar numa limpeza de praia: como olha para esta ameaça dos microplásticos? O que é que está a ser feito para a combater?
Isto vai muito além do plástico comum. Conseguimos identificar muito rapidamente o plástico mais comum, como as garrafas ou pequenos bocados de plástico, sabemos que é mau e as pessoas tentam recolher e reciclar... No caso do microplástico não o vemos e os nanoplásticos ainda são piores. Já está nos nossos corpos, já está connosco e se olharmos para o número de microplásticos nas praias por todo o mundo é 500 vezes mais do que as estrelas na nossa galáxia. É um número inacreditável que continua a aumentar e aumentar. Temos de resolver esta questão e agrada-me que a União Europeia vá introduzir regras na segunda metade do ano para lutar contra os microplásticos e proibi-los em certos produtos. Isso vai ser um grande passo em frente.

E existirão mais regras para os rótulos? Para que os consumidores possam saber o que estão realmente a comprar?
Sim, a questão dos rótulos será abordada mais na nossa política de produtos sustentáveis, que prevê um passe digital de produto, em que o consumidor consegue ter toda a informação não só sobre microplásticos, mas também sobre a quantidade de água que foi usada para produzir têxteis e a pressão que tal teve nos ecossistemas, incluindo os oceanos. Mas também incluirá os microplásticos, sim. Queremos ir mais além nesta questão dos microplásticos não só para informar os consumidores, mas também para garantir que nesses produtos os microplásticos possam ser substituídos. De outra forma, seriam proibidos.

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O comissário europeu numa iniciativa para jovens na praia de Carcavelos, a analisar a presença de microplásticos no lixo recolhido da praia

Quais diria que são as maiores ameaças ao oceano?
A poluição exerce uma grande pressão. As alterações climáticas também. Não se pode dizer que uma é maior do que a outra e ambas estão a destruir os nossos oceanos. E a terceira é a actividade humana, como a sobrepesca e a pesca ilegal. São as três maiores pressões que temos de momento nos nossos oceanos.

O que espera desta conferência? Qual será a principal conclusão?
Espero que seja dar resposta a todas estas questões. A questão das pescas e da IUU, mas espero que haja também resultados ambiciosos para a poluição, sobretudo dos plásticos e dos microplásticos. E, em terceiro lugar, os oceanos deveriam ser enaltecidos nas conferências do clima e nas suas conclusões. Foi um bom ponto de partida durante a COP26, em que se falou do oceano, mas não o suficiente. Tem de ser uma parte central da luta contra as alterações climáticas. É insubstituível.

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Aqui na praia de Carcavelos hoje [domingo] há muitos jovens com cartazes a pedirem o fim da mineração em mar profundo. É uma preocupação?
Sim. Temos de ser muito claros: enquanto não tivermos um estudo de impacte ambiental, enquanto não tivermos provas científicas do impacto que vai ter, temos de ser muito cuidadosos com as actividades de mineração em mar profundo.