Escassez de água em Odemira reduz plantações em estufa e provoca corrida à abertura de furos ilegais

Mais de 200 agricultores precários já foram avisados que têm de retirar as suas captações colocadas nos canais de rega até ao final do ano. Consumo humano não será afectado

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“A corrida à água é real", alerta o movimento ambientalista Juntos pelo Sudoeste MIGUEL MANSO

O movimento ambientalista Juntos pelo Sudoeste (JPS) já lançou o alerta: o Perímetro de Rega do Mira (PRM) “está à beira da ruptura”. E acrescenta: “A corrida à água é real e as denúncias de abertura de novos furos ilegais não cessam de chegar”. “Muito em breve todo o sudoeste alentejano estará transformado num queijo suíço e os aquíferos serão esgotados até à última gota”, enfatiza o grupo.

O presidente da Câmara de Odemira, Hélder Guerreiro, também não disfarça a sua preocupação pela escassez de água que se acentua não só no PRM, mas também noutras zonas do extenso concelho, o maior da Europa. Na última reunião da Assembleia Municipal (AM) realizada no dia 24 de Junho, o autarca disse que a situação “não vai para melhor, mesmo que chova para o ano”. Ainda recentemente tinha assumido que o problema da falta de água no seu concelho teria de ser resolvido ao longo dos próximos dois anos. Contudo, a dimensão da seca que fustiga o seu concelho obriga a encontrar uma solução “ainda este ano”, anunciou no decorrer da exposição que fez sobre a situação de seca em Odemira na AM. Apesar de classificar a falta de recursos hídricos como o problema mais premente com que se está a deparar a gestão municipal, garante não estar em causa o abastecimento público nos próximos dois anos.

Uma garantia que não pode ser extensiva aos horticultores do PRM, sobretudo aos produtores de frutos vermelhos em estufa (framboesas, amoras e mirtilos). Nuno Carvalho, dirigente do JPS, adiantou ao PÚBLICO que duas empresas viram os seus débitos de água cortados por já terem consumido o limite do volume atribuído para a campanha de rega de 2022. Solicitados esclarecimentos à Associação de Horticultores do Sudoeste Alentejano (AHSA), esta organização adiantou ao PÚBLICO que “não tem acesso a todos os dados dos seus associados e mesmo quando os tem não pode nem deve comentar situações individuais”.

Contudo, reconheceu ser do conhecimento geral “a limitação de água que a actual campanha evidencia”. Limitadas pela escassez de recursos hídricos, as empresas associadas na AHSA tiveram que se adaptar a esta situação, fazendo-o de diversas formas: “através da construção de reservatórios que minimizam as perdas de água para o mar, com novas perfurações devidamente licenciadas e, nalguns casos, pela redução das áreas cultivadas”, algumas parcelas e algumas estufas, onde são produzidos os frutos vermelhos.

A reserva de água na barragem de Santa Clara, que alimenta os cerca de 12 mil hectares de área regada do PRM, estava reduzida na manhã de hoje a 38% da sua capacidade máxima de armazenamento, ou seja: dos 485 000 metros cúbicos, volume de água à sua cota máxima, apresenta neste momento 186.477 metros cúbicos - muito abaixo dos 244.700 metros cúbicos do volume morto, que deve ser mantido na albufeira para assegurar a biodiversidade ali existente, entre as quais a fauna piscícola.

Mesmo assim, o Ministério da Agricultura acaba de aprovar um projecto que prevê o “rebaixamento” do nível de armazenamento na albufeira de Santa Clara da cota 106 acima do nível do mar para a cota 90. A AHSA pretende ter acesso à reserva actualmente existente para assegurar a campanha de rega do próximo ano, pois a obra que vai ser executada só estará concluída em 2024.

Nem uma gota de água se pode perder, perante a dimensão da escassez que está a colocar em causa a produção hortofrutícola do concelho. O recurso, nas actuais circunstâncias, passa por represar a água que o obsoleto sistema de rega lança no oceano desde que foi inaugurado, na década de 1960, e a abertura de novos furos - solução que merece a condenação da organização ambientalista e das forças políticas representadas na AM de Odemira.

Hélder Guerreiro, foi questionado por vários deputados municipais, para que se pronunciasse sobre a forma desenfreada como estão a ser abertos furos no PRM. O autarca disse ter recebido “muita nota” (informação) sobre esta questão. “Falei com o director regional da Administração Regional Hidrográfica (ARH) do Alentejo e garantiu-me que não está a autorizar nenhum furo no perímetro de rega, excepto para consumo humano.” Mesmo assim, vai propor ao secretário de Estado da Conservação da Natureza e Florestas a aplicação de um modelo de fiscalização dos processos que estão a acontecer no PRM. “Vamos analisar caso a caso o que acontecer no território e se é legal. E, não sendo, não pode continuar”, afirma o autarca socialista, expressando aos deputados municipais a sua preocupação pela falta de água, não só no Perímetro de Rega do Mira, mas noutras zonas de Odemira igualmente fustigadas pela seca.

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