“Não se pode resolver o problema do oceano sem resolver o problema do clima”, diz enviado dos EUA

Os oceanos estão mais ácidos agora do nos últimos 26 mil anos, ouviu-se na Conferência dos Oceanos. E os ecossistemas já estão a sofrer com o aumento de temperaturas e acidificação.

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Matthew Samuda e John Kerry abriram a sessão sobre a acidificação dos oceanos JOSE SENA GOULÃO/LUSA

O oceano está a ficar mais quente e mais ácido e isso já está a ter impactos na vida marinha. Como estes problemas são causados pelas alterações climáticas, é por aí que se tem de começar: reduzir as emissões de gases com efeito de estufa para que as águas possam recuperar a sua boa saúde. “Não se pode resolver o problema do oceano sem se resolver o problema do clima”, afirmou na manhã desta quarta-feira John Kerry, enviado especial para o Clima dos EUA, presente em Lisboa na Conferência dos Oceanos.

Num diálogo interactivo em que se falou sobre a acidificação, aquecimento e perda de oxigénio nos oceanos, o enviado John Kerry anunciou que os Estados Unidos aderiram à Aliança Internacional de Combate à Acidificação dos Oceanos. A aliança reúne 120 organizações e governos para gerar conhecimento e evitar a alteração da composição química das águas do mar. No final da sessão, o ministro da Jamaica Matthew Samuda também afirmou a intenção de se juntar à associação.

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Pedro Nunes/REUTERS

Os oceanos estão mais ácidos agora do que estiveram nos últimos 26 mil anos, alertou o director de trabalhos da Organização Meteorológica Mundial (OMM), Johan Stander. Os cientistas sentem que um dos problemas é a dificuldade no acesso a dados. “Não podemos agir se não entendermos o problema e não podemos perceber aquilo que não conseguimos medir”, asseverou.

Mais de 90% da temperatura gerada por gases com efeito de estufa é absorvida pelo oceano. Só que essa absorção não é feita sem custos nem riscos: contribui para o aquecimento dos oceanos, para a sua acidificação e perda de oxigénio. Com cada vez mais dióxido de carbono nas águas (que se dissolve e forma ácido carbónico), o oceano vai-se tornando cada vez mais ácido – o que é perigoso para a vida marinha, sobretudo para os animais que têm carapaças ou conchas.

Há um problema chamado “eutrofização”, que se traduz numa quantidade excessiva de nutrientes nas águas, e que causa vários danos, como a morte de alguns animais e o crescimento exagerado de espécies invasoras. Cada vez mais existem “zonas mortas” no oceano, em que a concentração de oxigénio não chega para permitir a existência de vida marinha.

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Os animais com carapaça são dos mais afectados pela acidificação do oceano Nuno Ferreira Santos

Os cientistas têm registado uma “mudança na biogeografia das espécies” por causa do aumento das temperaturas, constatou o vice-presidente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), Hans-Otto Pörtner. Assiste-se, assim, à extinção local destas espécies. O problema, diz, não é só o aquecimento: é a velocidade a que está a aquecer. O oceano “só pode continuar a fazer o seu trabalho se as emissões forem reduzidas”, acrescentou Hans-Otto Pörtner. A adaptação por si só não basta.

“Somos nós, humanos, que contribuímos para estes excessos”, argumentou o ministro Matthew Samuda, “e mesmo pequenas mudanças na química dos oceanos têm efeitos graves” nas espécies marinhas. “Os riscos são demasiados para se olhar para o lado”, diz, mas “a vontade política de agir está em falta”. E recordou o ditado popular que nos ensina que “quem quer ir rápido deve ir sozinho, e quem quer ir longe deve ir acompanhado”. “Mas aqui temos de ir longe e rápido”, disse, na conclusão da sessão. O resumo das ideias debatidas nesta manhã será apresentado no plenário final da Conferência dos Oceanos, a 1 de Julho.

Há que integrar “o oceano nos compromissos já existentes e é preciso traduzir o conhecimento em acção e medidas”, afirmou a directora da Aliança Internacional de Combate à Acidificação dos Oceanos, Jessie Turner. São medidas importantes quando se estima que existam mais de três mil milhões de pessoas por todo o mundo que dependem dos oceanos para conseguir o seu sustento. “Sabemos o suficiente para começar a agir.”

Jessie Turner referiu ainda que qualquer país costeiro que não tenha respostas para as mudanças no oceano está em falta.

Um relatório da OMM, divulgado em Maio, indicava já que os oceanos estavam cada vez mais quentes e ácidos, e que o nível médio das águas do mar continuava a subir. Esta subida acontece por causa da expansão térmica dos oceanos, por sua vez causada pelo aquecimento global. Num documento divulgado pelas Nações Unidas antes da sessão desta quarta-feira, é dito que estes problemas do oceano não devem ser encarados como uma “ameaça lenta, já que há efeitos imediatos que podem ser rápidos, extremos e localizados”.

Neutros em carbono

“A coisa mais importante que podemos fazer pela saúde do oceano é fazer a transição para um futuro energético baixo em carbono”, afirmou John Kerry durante a sua intervenção. Cada décimo de grau de temperatura que sobe a nível mundial traduz-se em custos de biliões de dólares (milhares de milhões de euros), disse. E é preciso apostar em transporte marítimo mais “verde”: “Se o transporte marítimo fosse um país era o oitavo maior emissor do mundo”. Este é um dos desafios para a COP27 (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas), argumentou, e deve almejar-se “uma estratégia neutra em carbono”.

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Marcelo Rebelo de Sousa e John Kerry José Sena Goulão/LUSA

A sessão contou ainda com a intervenção da directora de políticas da Associação Zero, Carolina Silva, que referiu que os “grandes impactos do transporte marítimo” tinham ficado quase esquecidos na conversa. É preciso reduzir emissões, apostar em energias renováveis e garantir infra-estruturas dos portos, disse. “Não devemos esquecer os impactos da poluição do ar que resulta do transporte marítimo”, sobretudo em comunidades costeiras, explicou. “Trabalhemos em conjunto para um ar mais limpo e um oceano mais limpo.”

O enviado para o Clima dos EUA também defendeu que se deve acelerar a instalação de plataformas de produção de energia eólica e offshore, tentando garantir que os países consigam ter mais produção de energias renováveis para aumentarem a sua segurança energética. Além disso, os países devem “assumir responsabilidades pelas suas Zonas Exclusivas Económicas (ZEE)”. John Kerry afirmou ainda que os Estados Unidos se comprometem com a meta de proteger 30% dos oceanos até 2030.