Em Moçambique, protege-se o mar com (e para) as pessoas que ali vivem
Projecto de quase oito milhões de euros vai apoiar a pesca artesanal sustentável, criar modos de vida alternativos ou contribuir para o restauro de ecossistemas marinhos em Moçambique. Todo este projecto está incluído no tão falado objectivo de se ter 30% das áreas marinhas protegidas.
No Norte de Moçambique, está prestes a começar um projecto que quer proteger ecossistemas marinhos com o contributo das comunidades locais. Ao dar essa ajuda na conservação, a população também ficará mais protegida e terá melhores condições para a sua sobrevivência. Denominado “Construindo um Futuro Azul para Ecossistemas e Pessoas na Costa Leste Africana”, o projecto quer fazer com que as comunidades fiquem a saber gerir melhor a pesca, mas também criar outras alternativas que permitam aliviar a pressão nessa actividade. Liderado pela organização não-governamental Wildlife Conservation Society (WCS), este plano teve esta semana grande parte do seu financiamento aprovado.
Hugo Costa faz questão de deixar algo bem claro: neste projecto, não se vai conservar a biodiversidade por si só, mas também se salvaguardará ecossistemas que são essenciais quer para a protecção costeira quer para a sobrevivência das comunidades. Durante a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, o director do programa marinho em Moçambique da WCS explica ao PÚBLICO a iniciativa que começará em Julho.
“É um projecto que tem por objectivo proteger uma área que é muito importante em termos de ecossistemas de biodiversidade marinha no Norte de Moçambique, que engloba cerca de 200 quilómetros de costa [nos distritos de Memba e Mossuril]”, descreve-nos. A área em questão inclui, pelo menos, 75 quilómetros quadrados de ecossistemas prioritários para a conservação, nomeadamente recifes de coral, ervas marinhas e mangais. Todos eles são cruciais para a protecção costeira contra os efeitos das alterações climáticas. E, claro, são fundamentais para a sobrevivência das comunidades locais. “As comunidades vivem essencialmente da pesca e dependem desses ecossistemas.”
Hugo Costa exemplifica que os mangais são uma zona de berçário para vários peixes e de marisco. Ora, muitas pessoas que vivem nestes locais alimentam-se deles e eles também são parte do seu rendimento. Outro exemplo é o das ervas marinhas, que são cruciais para os bivalves, que são invertebrados que as comunidades incluem na sua alimentação. “Todos esses são ecossistemas, que estão a desaparecer aos poucos, são extremamente importantes.”
O projecto tem a duração de cinco anos e um financiamento de 7,9 milhões de euros. Desses, 5,9 milhões vêm do Blue Action Fund, um fundo alemão também representado na Conferência dos Oceanos e que se dedica a apoiar as áreas marinhas protegidas e as águas costeiras de África, Ásia e América Latina. O restante financiamento pertence a outros pequenos doadores.
Além de liderado pela WCS, tem como parceiros a Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo (uma associação moçambicana) ou o Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Eduardo Mondlane (DCB-UEM). É também feito em colaboração com o Governo de Moçambique, fazendo parte de um memorando de entendimento que a WCS tem com o Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas para apoiar a biodiversidade marinha e a pesca artesanal sustentável.
Áreas intocáveis e abertas
Há vários objectivos para os cinco anos do projecto. Um deles é criar uma área de conservação sustentável. “O que é que isso quer dizer? Quer dizer que, apesar de ser uma área protegida, no geral, a pesca artesanal dentro dessa área é permitida”, explica Hugo Costa. O responsável indica que, para isso, deverão ser estabelecidas, por exemplo, áreas de pesca de gestão comunitária, que, por sua vez, são geridas pelos conselhos comunitários de pesca em Moçambique. Esses conselhos incluem conjuntos de pescadores que se juntam e depois fazem a co-gestão da área com o Governo.
Nas áreas de gestão comunitária haverá áreas que serão “intocáveis” e outras que serão “abertas” quando os pescadores assim definirem, ou seja, serão zonas de recuperação de recursos. Cada área de pesca de gestão comunitária tem assim o seu próprio plano de gestão que será acompanhado pela comunidade.
Além deste apoio à pesca artesanal sustentável, o projecto tem ainda como missão a protecção e restauro dos ecossistemas como mangais (deverão ser restaurados 150 hectares) e ervas marinhas (nove hectares).
Pretende-se ainda ajudar as pessoas a criar modos de vida alternativos. Para tal, serão criados grupos em colaboração com associações já existentes. “Estes grupos vão ser treinados com série de técnicas que lhes permitirão reduzir o seu impacto ao nível do ambiente, da agricultura baseada nos ecossistemas, de modos de captação de água. Vão ser feitos alguns furos, porque a população tem uma carência de água”, perspectiva Hugo Costa. O projecto vai ainda apoiar a formação de pequenos negócios que possam servir para que essas pessoas se foquem nessas actividades e aliviem a pressão da pesca. Para isso, há 300 mil euros. Também haverá bolsas de estudo para jovens.
No fundo, pretende-se proteger a biodiversidade com dois objectivos: por um lado, garantir que esses ecossistemas são devidamente preservados; por outro, ao se conservar esses ecossistemas está-se a proteger a população de duas formas, contra as alterações climáticas e a favor dos seus modos de vida. Ao todo, estima-se que beneficiarão, directamente, com o projecto quase 15 mil pessoas e, indirectamente, cerca de 100 mil.
Todo este projecto se inclui no tão falado objectivo de se ter 30% das áreas marinhas protegidas. “Este projecto é um contributo, porque uma coisa é termos o plano feito e outra coisa é executarmos”, diz o responsável da WCS.
E Moçambique já se comprometeu com essa meta? Hugo Costa refere que o país se comprometeu com várias metas e explica-nos quais são elas. Actualmente, Moçambique tem apenas 2,1% das áreas marinhas protegidas. Na sua Estratégia Nacional e Plano de Acção para a Biodiversidade, comprometeu-se com uma meta de proteger 5% das áreas marinhas até 2025. Mas já fez outros compromissos. Através da Convenção sobre Biodiversidade Biológica, ficou comprometida com cerca de 10%.
Já em 2019 juntou-se ao The High Ambition Coalition, que é um grupo de vários países que têm a intenção de apoiar a meta dos 30%. “Não quer dizer que Moçambique consiga alcançar os 30% até 2030, é quase impossível, mas tem essa ambição.” Esses 30% também já foram integrados no plano de ordenamento do espaço marítimo do país, que foi desenvolvido entre 2020 e 2021 e que foi aprovado pelo Presidente da República de Moçambique em Novembro do ano passado.
Numa sessão ligada à Conferência dos Oceanos, Cristián Samper, presidente da WCS, destacou precisamente a importância de se envolver as comunidades locais no objectivo da protecção de 30% das áreas marinhas. “Tem de ser feito nos locais certos e envolver as comunidades locais”, assinalou. “A ciência é clara sobre os benefícios das áreas protegidas para as pessoas.”