O movimento ambientalista Juntos pelo Sudoeste (JPS) já lançou o alerta: o Perímetro de Rega do Mira (PRM) “está à beira da ruptura”. E acrescenta: “A corrida à água é real e as denúncias de abertura de novos furos ilegais não cessam de chegar”. “Muito em breve todo o sudoeste alentejano estará transformado num queijo suíço e os aquíferos serão esgotados até à última gota”, enfatiza o grupo.
O presidente da Câmara de Odemira, Hélder Guerreiro, também não disfarça a sua preocupação pela escassez de água que se acentua não só no PRM, mas também noutras zonas do extenso concelho, o maior da Europa. Na última reunião da Assembleia Municipal (AM) realizada no dia 24 de Junho, o autarca disse que a situação “não vai para melhor, mesmo que chova para o ano”. Ainda recentemente tinha assumido que o problema da falta de água no seu concelho teria de ser resolvido ao longo dos próximos dois anos. Contudo, a dimensão da seca que fustiga o seu concelho obriga a encontrar uma solução “ainda este ano”, anunciou no decorrer da exposição que fez sobre a situação de seca em Odemira na AM. Apesar de classificar a falta de recursos hídricos como o problema mais premente com que se está a deparar a gestão municipal, garante não estar em causa o abastecimento público nos próximos dois anos.
Uma garantia que não pode ser extensiva aos horticultores do PRM, sobretudo aos produtores de frutos vermelhos em estufa (framboesas, amoras e mirtilos). Nuno Carvalho, dirigente do JPS, adiantou ao PÚBLICO que duas empresas viram os seus débitos de água cortados por já terem consumido o limite do volume atribuído para a campanha de rega de 2022. Solicitados esclarecimentos à Associação de Horticultores do Sudoeste Alentejano (AHSA), esta organização adiantou ao PÚBLICO que “não tem acesso a todos os dados dos seus associados e mesmo quando os tem não pode nem deve comentar situações individuais”.
Contudo, reconheceu ser do conhecimento geral “a limitação de água que a actual campanha evidencia”. Limitadas pela escassez de recursos hídricos, as empresas associadas na AHSA tiveram que se adaptar a esta situação, fazendo-o de diversas formas: “através da construção de reservatórios que minimizam as perdas de água para o mar, com novas perfurações devidamente licenciadas e, nalguns casos, pela redução das áreas cultivadas”, algumas parcelas e algumas estufas, onde são produzidos os frutos vermelhos.
A reserva de água na barragem de Santa Clara, que alimenta os cerca de 12 mil hectares de área regada do PRM, estava reduzida na manhã de hoje a 38% da sua capacidade máxima de armazenamento, ou seja: dos 485 000 metros cúbicos, volume de água à sua cota máxima, apresenta neste momento 186.477 metros cúbicos - muito abaixo dos 244.700 metros cúbicos do volume morto, que deve ser mantido na albufeira para assegurar a biodiversidade ali existente, entre as quais a fauna piscícola.
Mesmo assim, o Ministério da Agricultura acaba de aprovar um projecto que prevê o “rebaixamento” do nível de armazenamento na albufeira de Santa Clara da cota 106 acima do nível do mar para a cota 90. A AHSA pretende ter acesso à reserva actualmente existente para assegurar a campanha de rega do próximo ano, pois a obra que vai ser executada só estará concluída em 2024.
Nem uma gota de água se pode perder, perante a dimensão da escassez que está a colocar em causa a produção hortofrutícola do concelho. O recurso, nas actuais circunstâncias, passa por represar a água que o obsoleto sistema de rega lança no oceano desde que foi inaugurado, na década de 1960, e a abertura de novos furos - solução que merece a condenação da organização ambientalista e das forças políticas representadas na AM de Odemira.
Hélder Guerreiro, foi questionado por vários deputados municipais, para que se pronunciasse sobre a forma desenfreada como estão a ser abertos furos no PRM. O autarca disse ter recebido “muita nota” (informação) sobre esta questão. “Falei com o director regional da Administração Regional Hidrográfica (ARH) do Alentejo e garantiu-me que não está a autorizar nenhum furo no perímetro de rega, excepto para consumo humano.” Mesmo assim, vai propor ao secretário de Estado da Conservação da Natureza e Florestas a aplicação de um modelo de fiscalização dos processos que estão a acontecer no PRM. “Vamos analisar caso a caso o que acontecer no território e se é legal. E, não sendo, não pode continuar”, afirma o autarca socialista, expressando aos deputados municipais a sua preocupação pela falta de água, não só no Perímetro de Rega do Mira, mas noutras zonas de Odemira igualmente fustigadas pela seca.