Café, cereais e vinho. As alterações climáticas e a guerra estão a causar uma escassez de alimentos

As principais plantações mundiais enfrentam problemas difíceis de resolver: secas, incêndios, temperaturas escaldantes e conflitos. Alguns alimentos, como o café, os cereais, as maçãs ou o vinho já estão a escassear em alguns países.

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REUTERS/Mariana Bazo
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Colheita de uvas na região de Ay, França. Setembro de 2016 Reuters/BENOIT TESSIER

É um problema comum a praticamente todos os países do mundo: nos últimos anos, o preço dos alimentos tem alcançado níveis recorde e já há produtos a falar nas prateleiras dos supermercados. A guerra na Ucrânia, que reduziu as principais exportações de trigo e fertilizantes, mas também as mais frequentes as inundações, a seca e o calor extremo causados pelas alterações climáticas, explicam grande parte desta crise.

O preço global dos alimentos começou a subir em meados de 2020, quando muitas empresas tiveram de fechar portas por causa da pandemia de covid-19. Os agricultores derramaram milhares de litros de leite e deixaram frutas e legumes apodrecerem. Não existiam condutores de camiões disponíveis para transportar estas mercadorias para os supermercados, locais onde os preços dispararam à medida que os consumidores, assustados, faziam “açambarcamento” de alimentos. Além disso, a escassez de mão-de-obra migrante, à medida que os confinamentos restringiam os movimentos da população, afectavam as colheitas em todo o mundo.

Desde então, as principais plantações mundiais têm enfrentado problemas difíceis de resolver. O Brasil, o maior exportador de soja e o maior produtor de café do mundo, enfrentou uma seca severa em 2021. Segundo escreve o The Guardian, entre Abril de 2020 e Dezembro de 2021, os preços do café aumentaram 70% depois de as secas e geadas destruírem as grandes plantações. As ramificações económicas podem ser profundas, pois estima-se que até 120 milhões de pessoas dependam da produção de café para sobreviver.

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Campo de cereais na região de Chernihiv, na Ucrânia REUTERS

A colheita de trigo da China foi uma das piores de todos os tempos este ano. Os produtores de mostarda na França e no Canadá também já avisaram que o clima extremo causou uma redução de 50% na produção de sementes no ano passado, levando à escassez do condimento nas prateleiras dos supermercados, refere a notícia do The Guardian.

A invasão da Ucrânia pela Rússia, no final de Fevereiro, piorou drasticamente o problema. A agência de alimentos da ONU disse que os preços atingiram um recorde histórico em Fevereiro e novamente em Março. A Rússia e a Ucrânia produzem quase um terço do trigo e da cevada do globo e são responsáveis por dois terços da exportação mundial de óleo de girassol utilizado para cozinhar. A Ucrânia é o maior exportador de milho do mundo. O conflito danificou os portos e as infra-estruturas agrícola do país, algo que, provavelmente limitará a produção agrícola ucraniana durante vários anos.

Calor, chuva e geada

Na Índia, a forte onda de calor sentida em Maio deste ano prejudicou a colheita de trigo. Quando Nova Deli atingiu os 49 ºC, o governo proibiu as exportações de trigo, elevando ainda mais os preços que já tinham disparado após o começo da guerra na Ucrânia.

Nos EUA, o abastecimento de maçãs também parece estar em risco. A colheita deste fruto em 2021 nos estados do Michigan e do Wisconsin foi comprometida por causa da forte geada na Primavera. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos​, as mudanças no clima, como o aumento das temperaturas, podem levar a alterações na qualidade da fruta.

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Onda de calor na Índia, Maio de 2022 REUTERS

E em França, a indústria vinícola teve a sua menor colheita desde 1957, com uma perda estimada de quase dois mil milhões de euros. Um vinhedo de champanhe que normalmente produz de 40 a 50 mil garrafas por ano não produziu nada em 2021 devido a temperaturas mais altas e chuvas fortes, diz o The Guardian.

Um estudo mostrou que, se as temperaturas subirem 2 °C, as regiões vinícolas podem encolher até 56%. Quatro graus de aquecimento podem significar que 85% dessas áreas já não serão capazes de produzir bons vinhos. Também a região vinícola de Napa Valley, no norte da Califórnia, nos EUA, foi largamente afectada pelos incêndios florestais do Verão de 2020.

Podemos fazer algo para resolver o problema?

As preocupações com a segurança alimentar, intensificadas durante a pandemia, levaram alguns países a acumular produtos básicos para evitar futuras escassezes, limitando a oferta no mercado global. É difícil dizer quando é que o preço dos alimentos pode baixar, já que a produção agrícola depende de factores de difícil previsão, como o clima.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse no início de Maio que o problema da segurança alimentar global não poderia ser resolvido sem restaurar a produção agrícola ucraniana e a produção russa de alimentos e fertilizantes para o mercado mundial.

O Banco Mundial prevê que os preços do trigo podem subir mais de 40% em 2022 e que os preços dos alimentos só comecem a descer em 2023, algo que dependerá do sucesso das colheitas na Argentina, Brasil e Estados Unidos, entre outros países.

Como uma grande parte dos cereais do mundo é destinada à alimentação do gado, persuadir a população a comer menos carne e lacticínios pode aumentar drasticamente a oferta do grão, disse Pierre-Marie Aubert, especialista em agricultura do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais da França, à agência Reuters.

Espera-se que a escassez global de cereais nos mercados de exportação este ano seja de 20 a 25 milhões de toneladas, mas se os europeus reduzirem o consumo de produtos animais em 10%, poderão reduzir a escassez para 18 a 19 milhões de toneladas, observou Aubert.

Melhorar o armazenamento dos cereais, particularmente em países altamente dependentes das importações, e ajudar a população desses países a cultivar mais alimentos básicos em casa também pode ajudar. E globalmente, plantar uma variedade maior de culturas para reduzir a dependência de apenas alguns cereais, com mercados dominados por um pequeno número de exportadores, pode aumentar a segurança alimentar.