PCP chama Governo ao Parlamento, pressiona sobre combate à inflação e insiste no controlo de preços
Paula Santos admite mais contestação nos próximos meses. Se não der respostas urgentes à inflação, “o PS fica com a responsabilidade pelo agravamento da pobreza e das desigualdades”. Esta terça-feira de manhã, os comunistas ouviram utentes de saúde e agricultores.
O PCP vai chamar o Governo ao Parlamento na próxima semana para discutir soluções para a defesa do poder de compra, para travar o aumento dos preços e assegurar o aumento dos salários e das pensões de forma a combater a inflação. A interpelação ao Governo está marcada para dia 6, anunciou a líder da bancada comunista no encerramento das jornadas parlamentares que decorreram desde ontem no distrito de Setúbal.
Paula Santos divulgou também a entrega de uma longa lista de iniciativas legislativas que vão das questões laborais à redução das comissões bancárias e habitação, passando, entre outras propostas, pela fixação de preços de referência para bens essenciais e combustíveis, apoios aos combustíveis para sectores de produção agro-alimentar ou o combate à seca. Trata-se de uma reciclagem de, em parte, medidas que já foram apresentadas e chumbadas no âmbito do Orçamento do Estado, e outras que os comunistas entregaram em legislaturas passadas e que o PS chumbou com a ajuda da direita.
“A cada dia que passa tudo está mais caro e os salários, reformas ou pensões de milhões de portugueses não aguentam tamanha escalada de preços, não se vislumbrando qualquer resposta na acção nem nas opções do Governo do PS”, justificou a líder parlamentar comunista. Questionada pelo PÚBLICO sobre a possibilidade de aumento da contestação nas ruas devido ao cenário de aumento de preços, a custo, Paula Santos admite ser “natural” que a “degradação das condições de vida, o sentimento de injustiça e desigualdade levem à contestação dos trabalhadores”.
Não tendo o Parlamento poder sobre o salário mínimo nacional, o PCP continua a defender ser “fundamental e urgente” subir essa retribuição para 850 euros no início de 2023 e fazer um aumento intercalar “já este ano” para 800 euros.
Para combater o aumento da inflação - que no final de Maio estava já em 8,1% em termos homólogos - o PCP vai insistir na necessidade da fixação de preços, propondo que seja definido um “preço de referência para cada um dos produtos alimentares sujeitos à taxa reduzida de IVA de 6% com base nos custos reais e numa margem não especulativa, proibindo a venda a um preço superior sem justificação atendível”. E quer aplicar a mesma lógica aos combustíveis, com base no preço real médio de aquisição do barril de petróleo. Na electricidade, propõe reabrir a celebração de contratos em mercado regulado.
No âmbito da promoção da produção nacional - tema em que as jornadas também apostaram -, os comunistas vão entregar iniciativas legislativas para reduzir os custos com combustíveis nos sectores agrícola e piscatório; um plano plurianual para apoio à renovação da frota de pesca; a regulamentação da lei de 2020 que previa o escoamento de bens alimentares da pequena e média agricultura através de cantinas estatais; a concretização de medidas do plano nacional para a prevenção estrutural dos efeitos da seca. Irá ainda promover uma audição pública das organizações do sector agrícola sobre a produção de alimentos, agricultura e soberania alimentar, descreveu Paula Santos.
Na área laboral, o PCP irá levar ao plenário no dia 7 (quinta-feira), um conjunto de alterações ao Código do Trabalho sucessivamente chumbadas, algumas já desde o Governo de José Sócrates, sobre o tratamento mais favorável ao trabalhador, a caducidade da contratação colectiva, o banco de horas e o pagamento do trabalho suplementar. No caso da saúde, que foi outra vertente importante das jornadas, para além dos diplomas já agendados para estas duas semanas, o PCP vai ainda entregar uma proposta para reforçar a formação médica do internato para acesso à especialidade.
Perante as dificuldades do mercado de habitação, os deputados comunistas vão também insistir em soluções que já apresentaram na legislatura da “geringonça”, quando se discutiu a lei de bases da habitação: a mobilização do património habitacional público e a criação de um serviço de projecto, planeamento e execução de investimentos públicos na construção e reabilitação de imóveis; e medidas de protecção da casa de família como a suspensão de efeitos da denúncia de arrendamento pelo senhorio e da caducidade do contrato, assim como a suspensão da execução de hipotecas de imóveis de habitação própria e permanente.
“Se alguém tem 39 graus de febre às 21h vai onde?”
De manhã, na Biblioteca de Setúbal, Paula Santos conduziu uma pequena sessão pública com uma dezena de representantes de comissões de utentes de serviços de saúde da região que lhe relataram um sem fim de problemas.
“Não é a primeira vez que as urgências obstétrica e de pediatria do hospital do Barreiro fecham e já aconteceu outras vezes com a urgência geral”, realçou Maria Fernanda Ventura, da Associação de Mulheres com Patologia Mamária. “O fecho de urgências só agora tomou maiores proporções porque atingiu hospitais que eram PPP – Braga, Vila Franca de Xira e Loures – para se poder dizer que quando o eram nunca fecharam”, lamentou. “Não fechavam porque tratavam as doenças que dão dinheiro; não tratavam a saúde em geral. Se fossem casos mais complicados transferiam-nos para o hospital público mais próximo.”
Fernanda afirmou que os utentes enchem as urgências porque “não há resposta noutro sítio”, ou seja, os centros de saúde deixaram de ter serviço de atendimento nocturno, por exemplo. “Se uma criança tem 39 graus de febre às 21h vai onde?” Além disso, a contratação de médicos para as urgências gerais por falta de especialistas provoca vários constrangimentos nos serviços: são profissionais “sem ligação ao hospital, nem sabem como funciona, não estão inseridos numa equipa, não sabem como se faz o acompanhamento dos doentes”.
Para Emília Luís, o melhor exemplo de que “falta vontade para resolver a situação” são os “anos de luta para a Baixa da Banheira ter um centro de saúde com todas as valências”: devia estar pronto no ano passado mas continua por acabar. Os problemas estendem-se à zona do Montijo, onde os cuidados médicos têm estado a ser “esvaziados” do centro de saúde para equipar as unidades de cuidados primários das várias freguesias, como assinalou João Veiga.
Se há dez anos havia 10 mil utentes sem médico de família no Barreiro, agora são 22 mil, assinalou Antonieta Bodziony, que lamentou que os refugiados consigam ter médico de família mais depressa que os habitantes. Já Rita Droulliet antevê “negociata” no aluguer do hospital ortopédico do Outão a privados “e a ampliação do hospital de São Bernardo é dó para acolher o que se faz no Outão”. Rita queixa-se do facto de haver muitos médicos estrangeiros “que nem percebem o que os doentes lhes dizem. Isto não dá confiança nenhuma.” Para além de realçar que a opção cada vez comum por teleconsultas “deixa uma boa parte da população, que é mais envelhecida, em extrema fragilidade no acesso à saúde” e “dá uma falsa ideia da segurança, o que é grave”.
Antes, Paula Santos fizera o diagnóstico da falta de profissionais à necessidade de investimento em equipamentos e infra-estruturas. “A epidemia demonstrou que o SNS é o instrumento necessário para assegurar o acesso à saúde, mas é preciso investir e reforçá-lo. Foi o SNS que manteve as portas abertas e não rejeitou tratar ninguém.”
"O Alentejo pode produzir para o consumo nacional e sobra"
Pela hora do almoço foi tempo de o deputado Bruno Dias ir ouvir os agricultores da zona de Pegões depois de defender a necessidade de “substituir as importações por produção nacional”, de privilegiar o consumo local, de conter o “aumento brutal” dos preços do combustível, dos fertilizantes (de 174%) e fitofármacos, e de contrariar o cenário em que os agricultores “pagam para trabalhar e o consumidor vai ao supermercado e o arroz e o azeite triplicaram de preço”. “Não estamos a falar de luxos; estamos a falar de pão, óleo, arroz: são bens essenciais. (...) Temos que exigir que os produtores sejam compensados e que o lucro especulativo não fique na grande distribuição.”
José Neto defendeu que a estratégia na agricultura devia ter “uma reviravolta: devia-se pagar aos agricultores] para se produzir”. “O Alentejo pode produzir para o consumo nacional e sobra. Há que pagar para fazer isso e não pagar para não se produzir como se fez muito tempo.” E também pediu ao PCP que “viva mais próximo dos produtores. Sou do tempo em que o partido estava aqui de manhã à noite para falar com as pessoas.”
A professora de educação física Luísa Figueira recebeu de herança uns olivais em Portalegre e foi eleita para uma cooperativa local. “As cooperativas são muito importantes e nisso os espanhóis são melhores; nós temos dificuldade em trabalhar em conjunto.” Contou que a maioria dos seus cooperantes de Portalegre “é de idade avançada e tem alguma dificuldade em chegar às boas práticas” - uma referência a uma intervenção anterior de um produtor pecuário de Pegões que invectivara contra as tais “boas práticas” a que alguns responsáveis dos serviços agrícolas o querem obrigar, sem explicar exactamente o quê.
Luísa Figueira defendeu o associativismo entre os produtores até nas ajudas para recurso a fundos e subsídios mas também para os circuitos de distribuição. E criticou: “O Alentejo, que antes era um celeiro, agora é um vasto olival intensivo e ainda por cima não é nosso: é sobretudo espanhol.”
Já Domingos Moura, bem entrado nos 70, produz a maçã riscadinha, exclusiva da região de Palmela (a autarquia até lhe dedica uma feira) e certificada. O preço de venda por quilo “é o mesmo de há sete ou oito anos, foi uma maçã que saiu de moda. Só o Intermarché [que tem uma estratégia de compra local] é que me compra e vai safando isto.” Domingos chegou a fornecer umas lojas chinesas de Setúbal mas também esses deixaram de comprar “porque vinham maçãs do estrangeiro mais baratas”.