As ilhas pequenas e o financiamento que lhes falta para crescer

No segundo dia da Conferência dos Oceanos, em Lisboa, falou-se de economia azul e voltou a ser dito que os países ricos necessitam de multiplicar o seu apoio às nações insulares em desenvolvimento.

Foto
Kiribati, uma nação insular de muito baixa altitude que tem vindo a ser afectada de forma severa pela subida do mar REUTERS/DAVID GRAY

No “diálogo interactivo” da segunda manhã da Conferência dos Oceanos da Organização das Nações Unidas, que decorre até ao final desta semana no Parque das Nações, em Lisboa, falou-se de economia azul e do caminho que tem de ser traçado para que consigamos explorar os recursos marinhos de forma sustentável. Também se falou dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS, na sigla em inglês) e dos desafios que, no contexto da crise climática — e também de outras crises, como a pandémica e ainda a energética, motivada pela guerra na Ucrânia —, estas nações especialmente vulneráveis enfrentam.

Algumas ideias fundamentais foram repetidas por várias vozes. Uma delas: só com cooperação internacional os SIDS conseguirão melhorar a sua relação com o mar e crescer economicamente.

Há, ao todo, 58 SIDS. A lista é, não apenas mas em grande parte, composta por países das Caraíbas — Bahamas, Barbados, Cuba, Haiti, Jamaica, Porto Rico, República Dominicana e Suriname, por exemplo — e nações insulares banhadas pelo oceano Pacífico — como as ilhas Cook, as ilhas Fiji, Kiribati, Samoa, Timor-Leste, Tonga, Tuvalu e Vanuatu. Estas últimas, além de, como os restantes SIDS, possuírem poucos recursos financeiros e estarem isoladas geograficamente, são, em alguns casos, de muito baixa altitude, o que as torna muito vulneráveis à subida do nível médio das águas do mar e a fenómenos meteorológicos extremos.

Os SIDS dependem muito da pesca e do turismo náutico. E, ouviu-se várias vezes ao longo do “diálogo interactivo” desta manhã, dependem também do apoio dos países ricos. “Os SIDS simplesmente não têm as ferramentas para usufruir de todo o potencial da economia azul”, frisou a ministra de Planeamento e Desenvolvimento de Trindade e Tobago.

Pennelope Beckles afirmou que essa nação caribenha está a fazer por adoptar uma abordagem integrada no que diz respeito à gestão das suas zonas costeiras, mas deixou claro que, para essa abordagem ter sucesso, urge um investimento em inovação e pesquisa científica que ainda não existe. “Internacionalmente, os SIDS já são reconhecidos como um caso especial. Mas ainda enfrentamos desafios extraordinários quando se trata de ter acesso a financiamento”, sublinhou ainda.

Foto
Uma família das ilhas Fiji numa canoa enquanto um pôr-do-sol ilumina o céu atrás da cordilheira de uma ilha em Suva REUTERS/David Gray

O ministro da Saúde e do Ambiente de Antígua e Barbuda tocou no mesmo ponto. Molwyn Joseph disse que, uma vez que tem de ser menos dependente de importações, esse estado insular está a tentar voltar-se para a produção de energia eólica — e, também, energia marinha —, mas aludiu ao custo elevado das infra-estruturas que têm de ser construídas para essa mesma energia ser produzida.

Os SIDS têm tentado encetar esforços para criar o seu próprio caminho, mas, “enquanto tentam investir sustentavelmente, estão a endividar-se ainda mais”, afirmou, antes de pedir à comunidade internacional para ser célere a “finalizar o índice de vulnerabilidade multidimensional dos SIDS”, um índice para classificar os países em termos da sua fragilidade económica — e que permitirá identificar aqueles que precisam de apoio financeiro com mais urgência.

A importância do “multilateralismo”

Outra palavra que foi repetida várias vezes ao longo do “diálogo interactivo” foi “multilateralismo”. E a primeira pessoa a usá-la foi a directora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), que de resto foi muito aplaudida quando disse que, após cerca de 20 anos de negociações, a OMC finalmente firmou um acordo que pretende combater os subsídios à pesca ilegal, não reportada e não regulamentada.

Ngozi Okonjo-Iweala insistiu na ideia de que o acordo significa mais do que o possível fim de tais subsídios — e escrevemos “possível fim” porque, para entrar em vigor, o tratado tem primeiro de ser ratificado por dois terços dos membros da OMC. “A solidariedade global escasseia. O facto de termos chegado a um acordo multilateral é significativo”, apontou.

No que diz respeito à transição para uma economia azul, o fim dos subsídios que incentivam a pesca ilegal será determinante. “Podemos pegar nos 22 mil milhões de euros que neste momento compõem esses subsídios e usá-los para investir na protecção dos recursos marinhos”, salientou Ngozi Okonjo-Iweala.

Mari Pangestu, economista indonésia que é directora de Política de Desenvolvimento e Parcerias do Banco Mundial, optou por aludir aos “benefícios triplos” da economia azul. Deu o exemplo do seu país natal, que pretende reabilitar 600 mil hectares de mangais até 2024. “A Indonésia já se apercebeu de que o restauro constitui uma vitória tripla. Por um lado, o mar torna-se mais resiliente. Por outro, os mangais são sequestradores de carbono. Um último ponto: com a recuperação destes ecossistemas, o oceano fica mais saudável, o que, para as comunidades costeiras, significa melhores meios de subsistência.”

Mari Pangestu recordou que, em 2018, o Banco Mundial trabalhou com o Governo do Seychelles no lançamento de um blue bond — um instrumento financeiro criado com o intuito de incentivar e possibilitar investimentos em oceanos saudáveis e economias azuis — que ajudou pescadores locais a recuperar dos efeitos adversos de eventos meteorológicos extremos nas Caraíbas. “Agora, há que aumentar a escala”, referiu, antes de fazer a ressalva de que “o Banco Mundial está pronto para fazer o que puder para ajudar os países a se aperceberem dos benefícios triplos da economia azul”.​