Lixo marinho: o desfasamento entre as intenções e o que é feito ainda é “inaceitável”
O plástico é um problema com milhões de toneladas de peso nos oceanos. Mas a poluição marinha vai além disso e deixa a biodiversidade em risco. Para resolver é preciso chegar a um acordo global que proteja a natureza e que responda “aos problemas de todos os estados, não só de alguns”.
A poluição é uma das “consequências inegáveis” do nosso modo de vida actual, disse esta segunda-feira o ministro do Ambiente, Energia e Clima das Seychelles, Flavien Joubert, na abertura do “diálogo interactivo” sobre poluição marinha, integrado na Conferência dos Oceanos, que decorre esta semana em Lisboa. Para “evitar a morte dos nossos oceanos”, como disse de seguida o ministro do Ambiente da Nova Zelândia, Hon David Parker, é preciso encontrar soluções para pôr fim à poluição marinha e agir o quanto antes. As ideias ouvidas nesta sessão serão apresentadas no plenário final da conferência, na sexta-feira.
A poluição marinha não é só o plástico que chega ao mar, ainda que corresponda a uma grande fatia: é também o rasto de poluição deixado pelos grandes navios usados no transporte marítimo, o material de pesca que fica perdido nos mares – muito danoso para os animais –, ou as águas residuais sem tratamento que fazem o seu caminho até ao oceano. Mas o plástico é mesmo a parte mais visível da poluição marinha, correspondendo a mais de 80% do lixo encontrado no mar. A isto acresce a preocupação em torno dos microplásticos, que medem menos de cinco milímetros e podem representar perigo para os humanos, animais e ecossistemas.
Para enfrentar estes desafios, é preciso que haja “acção” e que seja rápida – as empresas e governos já sabem que terão de eliminar o plástico, portanto mais vale começar já. “Temos um grande problema e agir é um imperativo moral”, afirmou o antigo ministro do Ambiente da Costa Rica, Carlos Manuel Rodriguez. Isto porque “lançamos tudo ao oceano e gerimos os recursos naturais” como se não houvesse amanhã, disse. Tem de se fazer uma gestão adequada dos resíduos sólidos e das águas residuais e é preciso também pensar na poluição sonora, disseram alguns dos cerca de 20 representantes ouvidos durante a sessão na tarde desta segunda-feira.
O mesmo barco, remos diferentes
Esta preocupação ambiental não pode deixar de lado os jovens e as comunidades mais desfavorecidas: “Estamos todos no mesmo barco, mas alguns têm remos diferentes”, comparou a directora do departamento de ecossistemas do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA), Susan Gardner. Há muita coisa por fazer, mas “todos têm de remar na mesma direcção”.
Reduzir a quantidade de plástico que está a ser produzido (sobretudo o descartável) é essencial, defendeu a CEO da Ocean Conservancy, Janis Searle Jones. O plástico é um material duradouro e tantos casos há em que acaba por ser usado uma única vez. Segundo a dirigente, os restos de material de plástico afectam cerca de 40% de animais que estão classificados como estando ameaçados. Os compromissos actuais não são suficientes, diz, e o desfasamento entre as intenções e a acção ainda é “inaceitável”.
A poluição marinha “é um sintoma das coisas que não estão a correr bem na nossa sociedade”, resumiu o professor Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (Brasil). Os estudos de impacte ambiental, assim como a “literacia oceânica”, são “extremamente importantes” para combater a poluição e tem de se exigir que sejam disponibilizados dados a nível global para se conseguir perceber a verdadeira dimensão do problema. Caso contrário, “a sociedade será tão pouco saudável quanto o oceano”.
E, em três décadas, as águas do mar acabarão por ter mais plástico do que peixes, disseram vários participantes, incluindo o primeiro-ministro das ilhas Fiji, Frank Bainimarama. “O oceano como aterro de lixo é aquilo que criou esta crise”, afirmou Bainimarama. E, perante as dezenas de representantes que estavam na sala baptizada com o nome do rio Tejo, vaticinou: “Aquilo que pomos no oceano volta sempre para nos aterrorizar.”
Durante a sessão, também se ouviu falar em “justiça para as ilhas pequenas”. “Pouco contribuímos para isto e agora estamos a assistir à calamidade da poluição marinha”, denunciou o ministro da Saúde e do Ambiente de Antígua e Barbuda, Molwyn Joseph, que falava também em nome de outras ilhas pequenas. “Temos de ter a certeza de que se alcança um acordo global e que responde aos problemas de todos os estados, não só de alguns”, afirmou, pedindo ainda um esforço mundial para conseguir limpar os resíduos já existentes.
Na sessão de abertura da Conferência dos Oceanos, também o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, afirmava que era preciso “evitar e reduzir a poluição de todos os tipos”. Uhuru Kenyatta, Presidente do Quénia (país que preside a Conferência dos Oceanos juntamente com Portugal), notou que “o oceano fornece quase metade de todo o oxigénio que respiramos e, no entanto, todos os anos são deitadas oito milhões de toneladas de detritos de plástico nos mares”.
Combater a poluição de plástico em alto-mar
Também se falou de poluição no Oceanário de Lisboa, onde, ao final da tarde, Gianni Valenti apresentou a organização não-governamental (ONG) da qual é fundador e presidente. Chama-se GAIA First e visa combater a poluição plástica em alto-mar. Para tal, quer ajudar ao desenvolvimento de barcos recolhedores de lixo e — e esta é a parte especialmente importante — equipados com um sistema de gaseificação. A ideia consiste em aquecer o plástico a temperaturas extremamente elevadas — num processo sem o envolvimento de oxigénio, para não haver combustão —, “partindo” a sua estrutura polimérica.
E o que acontece quando se desfaz a estrutura polimérica do plástico? Geram-se moléculas de carbono e hidrogénio. O que fazer com o carbono? Ele poderia ser vendido a empresas que dele necessitem para construir produtos, sugeriu Gianni Valenti. Já o hidrogénio seria utilizado como um “combustível verde” para alimentar o próprio sistema de gaseificação. Ou seja: a partir de certa altura, o plástico recolhido começaria a tornar possível a redução de mais plástico a pequenas moléculas.
Estes barcos ainda não existem porque exigem um investimento considerável. “Estamos a falar de barcos que têm de ser do tamanho de centrais eléctricas”, resumiu ao PÚBLICO Gianni Valenti, referindo que a GAIA First está neste momento à procura de financiadores e parceiros que se juntem à ONG.