O ano de 2030 é o horizonte que a Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) estabeleceu, através dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), para a humanidade melhorar as condições de vida e a sustentabilidade do planeta. Na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas em Lisboa, que começa na segunda-feira, o nº 14 da lista de 17 objectivos será observado à lupa: a conservação e o uso sustentável dos oceanos. Entre as várias metas estabelecidas, espera-se que, em oito anos, haja um combate efectivo à pesca excessiva, à pesca ilegal e à poluição marinha, aumente a conservação da biodiversidade e minimize-se os efeitos da acidificação dos oceanos. É um roteiro ambicioso, mas que apresenta vários desafios.
“Toda a impressão digital em terra está no oceano”, refere Maria João Bebianno, investigadora e especialista em contaminação marinha e ecotoxicologia, e directora do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da Universidade do Algarve. Ou seja, as nossas acções terrestres têm consequências no mar: não só parte da poluição e do lixo produzido vai parar ao oceano, como o aumento da demografia acaba por ter um impacto maior na exploração dos recursos marinhos.
Por outro lado, o problema é de todos. “O oceano é só um, mas o estado de desenvolvimento dos países é muito diferente e as agressões [aos oceanos] diferem de um país para o outro”, explica a investigadora, que faz parte do grupo de peritos da divisão das Nações Unidas para as questões do oceano e a Lei do Mar. Segundo a cientista, o ODS 14 foi o último objectivo a ser “discutido e aprovado” pela AGNU, quando em Setembro de 2015 se definiu os 17 ODS para 2030.
Os ODS foram estabelecidos como a continuação dos oito Objectivos do Milénio – cujo horizonte expirava em 2015. Ao todo, o plano de acção dos ODS tem 169 metas distribuídas pelos 17 objectivos, relacionadas com temas tão distintos como a erradicação da fome, uma educação de qualidade, empregos dignos e desenvolvimento económico, a igualdade de género, a paz e a justiça, o combate às alterações climáticas, as energias renováveis, entre outros.
O roteiro foi assinado por 193 Estados-membros das Nações Unidas, mas não tem um carácter vinculativo a nível legal. No entanto, “é esperado que os países assumam [as metas] para eles próprios e estabeleçam um plano para alcançarem os 17 objectivos”, lê-se no site das Nações Unidas.
Desde 2016 que são elaborados anualmente relatórios sobre o estado de progressão dos ODS a nível mundial e há também uma avaliação para cada país. Os relatórios de 2021 e 2022 mostram que a pandemia teve um grande impacto na progressão das metas. No entanto, a literatura científica revela que há um problema a montante que é a aplicação do roteiro na legislação dos países, segundo um artigo esta semana na revista Nature Sustainability que analisou 3200 estudos científicos sobre os ODS, publicados entre 2016 e Abril de 2021.
“Mostrámos que o efeito dos ODS é maioritariamente nos discursos”, explica ao PÚBLICO Carole-Anne Sénit, do Instituto Copérnico do Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Utrecht (nos Países Baixos) e uma das autoras do trabalho. “Isto significa que os actores referem-se recorrentemente aos ODS nos debates nacionais, mas em termos de mudanças normativas e legais, os ODS não foram muito influentes até agora. Além disso, a literatura científica que analisámos mostra que os governos usam os ODS com um propósito, fazendo uma interpretação deles de forma específica e aplicando-os selectivamente.”
A primeira meta do ODS 14 refere-se à poluição: “Até 2025, prevenir e reduzir significativamente a poluição marinha de todos os tipos.” Será que o mundo vai atingir esta meta? “De maneira nenhuma”, responde Maria João Bebianno, apontando que a poluição vai ser um tema importante no primeiro dia da conferência. “Temos um conjunto de contaminantes emergentes, que nem sequer ainda fazem parte da legislação nem de programas de monitorização. Depois, os problemas de plástico continuam muito preocupantes e temos a acrescentar dez mil milhões de máscaras nos oceanos”, lembra-nos, apontando para um dos mais evidentes legados ambientais da pandemia.
Para Portugal, a avaliação da progressão dos ODS não oferece um panorama muito favorável. No entanto, o único ODS que realmente está pior é, precisamente, o 14. Maria João Bebianno não sabe quais as causas específicas que estão na origem desta regressão, mas não vê com bons olhos a nova arquitectura do Governo em relação à governança do mar: “Temos o mar dividido em quatro entidades: o Ministério da Economia e do Mar, o Ministério da Agricultura e da Alimentação, o Ministério do Ambiente e Acção Climática e parte do Ministério da Defesa Nacional. Não sei se isto vai ajudar a coordenar alguma coisa.”