Há cerca de uma semana foi tornado público o resultado da segunda fase da candidatura ao maior programa de apoio empresarial no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Apesar de 51 consórcios terem passado, o Portugal Blue Food, um consórcio no sector da pesca e da aquacultura, ficou para trás. Liderado pela empresa de aquacultura Flatlantic (antiga Acuinova), o projecto tinha como aposta o desenvolvimento de produtos e serviços, além da criação de uma marca portuguesa de valor premium. Para este consórcio, o chumbo foi o capítulo final de um processo atribulado que, no caso da Portugal Blue Food, viu as regras do jogo serem mudadas a meio.
“Mudaram as regras de elegibilidade das empresas”, explica ao PÚBLICO Renata Serradeiro, administradora-executiva da Flatlantic, que estava à frente do processo da candidatura da Portugal Blue Food. “O investimento produtivo em aquacultura deixou de ser elegível, não havia apoio para esse investimento”, refere a bióloga.
O aviso à primeira fase da candidatura, gerida pela Agência para a Competitividade e Inovação (IAPMEI), abriu a 1 de Julho de 2021. A economia do mar era uma das áreas onde as propostas se poderiam enquadrar. No aviso explicava-se que eram elegíveis “projectos de investimento produtivo, que concretizem a produção de novos bens e serviços, com claro enfoque no apoio à produção tecnologicamente avançada por parte dos investidores empresariais”. A aquacultura e o apoio à produção enquadravam-se nesta descrição.
“O sector viu uma oportunidade de financiamento única”, diz Renata Serradeiro. “Como acha que cresceu a produção de salmão na Noruega? Foi com dinheiro.” Por isso, as entidades organizaram-se em tempo recorde para apresentar uma proposta. O objectivo do projecto era transformar o sector da aquacultura na sua capacidade de produção e de valor acrescentado. “A aposta era em toda a cadeia de valor, não apenas na produção”, resume Nuno Lourenço, presidente do CoLAB +Atlantic, que esteve envolvido desde o início na criação do consórcio.
Ao todo, o consórcio inicial reuniu 84 entidades, das quais 40 empresas e oito laboratórios colaborativos, num investimento total de 594,58 milhões de euros. Segundo a bióloga, seriam criados 200 novos produtos, serviços, patentes nas diferentes etapas da cadeia de valores do sector.
A candidatura foi aceite, passando para a segunda fase. A 31 de Janeiro último saiu finalmente o aviso à segunda fase da candidatura, quando o consórcio foi surpreendido com uma alteração significativa. No novo documento estava escrito que “os apoios ao abrigo do presente aviso de abertura de concurso não são aplicáveis” ao “sector da pesca e da aquicultura, com excepção dos auxílios à formação, dos auxílios à investigação e desenvolvimento, dos auxílios à inovação a favor das pequenas e médias empresas e dos auxílios a trabalhadores desfavorecidos e trabalhadores com deficiência”. O sector da produção agrícola primária, da produção animal, da caça e florestas também sofreu o mesmo golpe.
Face a esta nova realidade, o consórcio teve de se adaptar. O número de entidades passou a ser 76, das quais 40 eram empresas e o orçamento caiu para os 83,3 milhões de euros. Houve também uma necessária alteração na direcção do projecto, afastando da lógica da produção. “Reformulámos para ter como objectivo a criação de produtos e serviços que sirvam o sector”, conta Renata Serradeiro. Instituições universitárias, como as universidades de Aveiro e Algarve, e o Instituto Politécnico de Leiria estavam integradas no projecto. Um dos objectivos passou a ser aumentar a formação nesta área a nível universitário, já que o sector irá necessitar de mais técnicos. Mas o chumbo põe o projecto no congelador.
A bióloga diz que quer recorrer deste resultado. No entanto, interpreta-o como um sinal político dado ao sector e aos investidores: “A aquacultura não é uma prioridade estratégica, está-se a ignorar o potencial do país para a produção de pescado.” Nuno Lourenço acrescenta: “Há uma necessidade de segurança alimentar, a proposta era boa. Mas não foi decidido assim.”
O PÚBLICO contactou o IAPMEI, mas não recebeu resposta até ao fecho da edição.