Das levadas da serra aos vinhos da Tojeira
É com o sentido nas provas que se ruma à Casa da Tojeira, em Cabeceiras de Basto. Porém, os sentidos apuram-se quando se viaja com tempo para, primeiro, pôr pés ao caminho e descobrir a envolvente da Serra da Cabreira.
Apesar de Cabeceiras de Basto ainda não ter convencido a UNESCO de que o mosteiro barroco de São Miguel de Refojos deve ser património da humanidade, é incontestável a riqueza natural da região. Luís Freitas conhece-a bem, daí que a visita, ainda que levando o vinho como propósito, comece em plena Serra da Cabreira, com água por todos os lados – para dar a sentir toda a experiência que a Casa da Tojeira pretende proporcionar.
Com tradição que remonta ao século XVII e um claro investimento no turismo e nas vinhas desde os anos 1980, a Casa da Tojeira tem apostado no enoturismo e nos “parceiros certos”, assegura Luís, em jeito de apresentação do operador com quem colaboram em programas de natureza – o Projecto Raízes, do biólogo Nuno Rebelo, que cresceu a brincar na Cabreira e regressou às raízes focado em partilhar um outro olhar sobre a serra, através de caminhadas guiadas.
Luís Freitas tenta explicar que a experiência dos vinhos vai muito para além das provas em si e visitar as vinhas não mostra Basto como um todo. É Nuno que esclarece: “É difícil vender o território.” Com o Gerês e o Alvão ali ao lado, é essencial trabalhar em rede. O mosteiro, por exemplo, é um ex-líbris, mas, acredita, só é possível atrair mais turismo para Cabeceiras se a aposta passar pela “triangulação com o turismo de natureza e a gastronomia”, vinhos incluídos.
Guiados pela água
O quilómetro zero da caminhada é junto da minibarragem do Oural, construída com águas da levada para protecção contra os incêndios. A levada, essa, foi ideia de D. Dinis, que durante as suas caçadas na Cabreira percebeu o potencial hídrico da serra e decidiu canalizar a água para regadio.
Do Oural, sobe-se para Moinhos de Rei. Se seguirmos a levada, que nesta zona acompanha o trilho durante três quilómetros, os moinhos começam a aparecer. São mais de 30 e já há projectos para que alguns voltem a funcionar. Nas centenas de metros que se seguem, são eles que marcam o cenário, a par de bétulas, medronheiros e cedros. O som da água casa com o silêncio. Há que puxar por Nuno: se lhe perguntarem mais sobre a fauna e flora da Cabreira, a visita pode prolongar-se e é certo que, no fim, a percepção daquilo que nos rodeia é outra.
A escassez de tempo ditou uma caminhada em versão reduzida pelo trilho da Levada de Víbora (é assim mesmo, Nuno faz questão de corrigir: “de” e não “da”). Na sua totalidade, é um percurso circular de 11 quilómetros com dificuldade moderada, talvez devido à subida para o miradouro de Porto D’Olho, de onde se obtém uma impressionante vista de 360 graus. Recentemente, a autarquia de Cabeceiras criou a Rede de Miradouros do concelho para desenhar um roteiro de contemplação do território. De Porto D’Olho, avistam-se algumas das aldeias que valerá a pena visitar: Busteliberne, Uz e Torrinheiras, a mais de 1000 metros de altitude. Agora, contudo, é tempo de conhecer a Tojeira.
Nobres terras da Tojeira
O imponente solar da Tojeira dá as boas-vindas a quem entra na propriedade. O edifício nobre, envolvido por 20 hectares de vinha, apresenta uma varanda que convida a perder o olhar no verde que o rodeia. Vale a pena começar a visita pela sala-museu do vinho, que conta a história da produção da quinta. Foi nesse espaço que tudo começou – até há 10 anos, era nos lagares que ali persistem que o vinho tinto era pisado. O tenente Bernardo, original proprietário, deixou todos os seus bens a dois sobrinhos. Um deles, Mário Sousa, acabou por assumir a quinta, criar a marca Tojeira e potenciar toda a herança cultural e vitivinícola.
Nos anos 1980, a aposta no turismo de habitação trouxe muitos estrangeiros ao solar, especialmente holandeses que depois acabariam por investir na região. A casa principal tem sete quartos e a casa dos caseiros foi adaptada para receber grupos, com cinco quartos disponíveis. O enoturismo faz parte da estratégia da Tojeira desde há quatro anos, mas, segundo Luís Freitas, é por aí que irão continuar a explorar o potencial do negócio – as refeições vínicas, por exemplo, são um dos projectos a que vale a pena ficarmos atentos.
Quanto aos vinhos, arinto, azal, trajadura e loureiro são as castas dominantes e dão corpo ao clássico Tojeira Premium, produzido desde a década de 1980 e que ocupa a maior parte da produção, sendo também o vinho mais comercializado pela marca. Tem o perfil de um verde jovem, leve e fresco. O monocasta de loureiro é mais seco, “característica da influência mais continental da sub-região de Basto”, esclarece Luís Freitas.
Para ele, há um importante trabalho na “desmistificação” dos verdes jovens. Os produtores, sublinha, têm vindo a apostar em vinhos mais estruturados, com potencial de guarda, “envelhecidos em barrica de carvalho francês com estágio mínimo de 12 meses”, acrescido de estágio em garrafa. “São vinhos muito gastronómicos e que têm outra complexidade.” Também no mundo dos vinhos, a paciência é uma virtude.