Rússia conquista Severodonetsk e está a “estrangular completamente a Ucrânia”

O governador de Lugansk anunciou que as forças ucranianas receberam ordens para se retirarem de Severodonetsk, no Leste. O major-general Vieira Borges diz que, na segunda fase da guerra, Rússia está a “conquistar, destruir e matar”.

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A tomada de Severodonetsk é uma etapa crucial no plano de conquista russa da bacia industrial de Donbass Oleksandr Ratushniak/Reuters

No dia em que a Ucrânia entra no quarto mês do conflito com a Rússia, o governador de Lugansk anunciou que as forças ucranianas receberam ordens para se retirarem de Severodonetsk, no Leste do país, palco de intensos combates com o exército russo. A destruição é inegável e obriga a recuar.

“Já não faz sentido manter posições que foram constantemente bombardeadas nos últimos meses”, disse Serguei Gaidai, acrescentando que a cidade está “quase reduzida a cinzas” e “todas as infra-estruturas essenciais foram destruídas”.

Em entrevista ao PÚBLICO, o major-general Vieira Borges destaca a “destruição total” que se verifica nalgumas cidades do Leste da Ucrânia, que diz ser parte da estratégia da Rússia.

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No dia 19 de Abril, recorda, “a Rússia anunciou a segunda fase da sua ‘operação militar especial’”, tendo o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Serguei Lavrov, dito que as forças russas se iriam deslocar para o Leste da Ucrânia para “libertar completamente as populações de Lugansk e Donetsk”.

Passados dois meses, “ainda não têm o Donbass totalmente conquistado”, mas “houve uma alteração completa das tácticas desenvolvidas pela Rússia com mais unidade de comando, concentração de forças, mas também com muitas mortes”. “Quando se aproximam das áreas urbanas, como foi o caso de Severodonetsk, começam a ter baixas, recuam e continuam os bombardeamentos até à destruição total”, explica.

Segundo o major-general Vieira Borges, o que está a acontecer em cidades como Severodonetsk e Lisichansk é semelhante ao que aconteceu em Mariupol. “Estas cidades que são tornadas objectivos importantes para a Rússia — não necessariamente para a Ucrânia — são totalmente destruídas. No fundo, o que estão a fazer não é libertar as populações. O que estão a fazer é conquistar, destruir e matar.”

O militar nota que, “em termos estratégicos, quer Severodonetsk quer Lisichansk, que está do outro lado, não são fundamentais para a Ucrânia”, embora os combates nestes locais tenham permitido criar “um grande desgaste nas forças russas” e permitido travar uma “tentativa de conquista” de outras cidades como Kharkiv ou Sumi.

Em relação à retirada das tropas ucranianas de Severodonetsk, Vieira Borges acredita que “o número de baixas deve ser muito elevado” e que a Ucrânia poderá ter atingido um “limite”. Mas, para tal acontecer, a retirada terá de ser preparada, com o militar a destacar algumas indicações divulgadas pelo Instituto para o Estudo da Guerra de que haverá “um canal e uma ligação através do rio que estará a ser construída pelos ucranianos exactamente para essa retirada”. Porém, salienta que não há “dados concretos sobre o complexo químico de Azot”, nomeadamente em relação aos civis e militares que lá permanecem, com o major-general a temer que se verifique uma situação idêntica à de Azovstal.

Um Inverno difícil para a Ucrânia

Actualmente, a Rússia tem vindo a “conquistar todos estes territórios, para além do próprio Donbass, junto à fronteira” com as suas futuras necessidades logísticas em mente. “Kharkiv é a segunda maior cidade [da Ucrânia] e será certamente o próximo objectivo, segundo dizem os próprios ucranianos, e vai fechar com o Donbass, com Kherson, com a Crimeia, com Mariupol e fazer aquela ponte toda a Sul”, antecipa o major-general Vieira Borges.

O especialista destaca que a Rússia está a aproveitar para conquistar território numa altura em que a Ucrânia ainda não recebeu todo o reforço de armamento do Ocidente. Além disso, diz, “quando chegar o Inverno é mais fácil defender [do que atacar] e vai ser mais difícil para a Ucrânia recuperar estes territórios”.

Assim que a Rússia consiga conquistar a totalidade do Donbass, incluindo Donetsk, deverá “anunciar a vitória da segunda fase da operação” — já que a primeira fase foi uma “derrota”, embora “não assumida e contornada”. Depois, há duas hipóteses: “Ou caminhará no sentido de negociar porque já tem território importante e capacidade negocial ou avançará para uma terceira fase para Odessa ou Sumi”.

Porém, é impossível prever o que irá acontecer. “Por muito que os comentadores e os especialistas tentem entrar na cabeça de Putin e de Lavrov, é poder discricionário. Nós não sabemos certamente se querem conquistar a Nova Rússia ou se querem apenas conquistar este terreno e depois negociar”, explica o militar.

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Nos últimos meses habituámo-nos à presença constante desta figura na esfera pública. A par com Volodymyr Zelensky, é o homem que marca a agenda política diária. Quatro meses depois do início da guerra na Ucrânia, mantém-se a dúvida sobre que passo dará a seguir. Quem é afinal Vladimir Putin?

Joana Gonçalves

Além disso, a agenda política inclui várias cimeiras, nomeadamente do G7 e da NATO, que “vão incomodar” a Rússia, que irá reagir às decisões tomadas “em consonância” e com “iniciativa”. “Para cada medida que é tomada pela União Europeia, pela NATO e pelo G7 há uma reacção imediata. Vamos ver como é que a Rússia reage ao Conceito Estratégico” — que será aprovado durante a cimeira da NATO, marcada para 29 e 30 de Junho, em Madrid —, diz, acrescentando que “é tradicional essa reacção mesmo sem estarem em guerra”.

O militar crê que a Rússia fará um anúncio nessa altura. “Dizia-se que eles queriam conquistar o Donbass até lá para depois tomarem uma decisão. Veremos.” Vieira Borges destaca também a questão da Lituânia, com a Rússia a anunciar que vai tomar uma decisão.

Rússia com posição “indiscutivelmente favorável”

Neste momento, a Rússia tem “uma posição indiscutivelmente favorável”, tal como se pode verificar através do mapa dos territórios ocupados.

“Na primeira fase, falharam redondamente — não houve concentração de forças, foram destruídos pela determinação ucraniana. Mas, agora, a diferença de potencial é muito elevada, com uma relação de um para dez em termos de artilharia e talvez de um para quatro ou cinco em termos de homens”, diz Vieira Borges, que acredita que foi a “determinação” das forças ucranianas que permitiu atrasar “dois meses” esta situação.

A Ucrânia lutou “por aquilo que é seu em troca de muitos mortos” e conseguiu “fixar as forças russas ali para não ocuparem outras partes mais importantes e não chegarem a Dnipro ou Odessa”. Mas, apesar das “vitórias políticas” para a Ucrânia — como a aprovação da sua candidatura de adesão à União Europeia — e das “vitórias estratégicas da determinação”, na prática, a Rússia está a “estrangular completamente a Ucrânia”.

“O poderio russo é enorme quando comparado com uma Ucrânia à qual prometeram sistemas de armas que, depois, chegam com grande dificuldade — quando não são destruídos a meio do caminho”, afirma. No entanto, em termos militares, “esta frente que agora também ocupa a Rússia é uma frente enorme” e será difícil de defender.

O futuro poderá, por isso, revelar-se não tão simples para a Rússia: “No final do Verão ou no início do Inverno, quando a Ucrânia passar à contra-ofensiva com outros sistemas de armas, será muito difícil para a Rússia defender um espaço tão grande. Isso vai implicar mobilização de tropas ao longo de uma fronteira com provavelmente mais de mil quilómetros de frente e aí já não bastará a destruição”.

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