Alemanha abole artigo da lei que restringia o aborto

Parlamento alemão votou a favor da remoção do artigo controverso que limitava a informação que médicos e clínicas podiam dar sobre interrupção voluntária da gravidez.

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A abolição do artigo que proibia dar informação sobre aborto foi decidida por uma grande maioria no Parlamento alemão CLEMENS BILAN/EPA

Depois de anos de discussões e pequenas alterações sobre o artigo 219a da lei do aborto na Alemanha, que ao proibir a “publicidade” ao aborto sujeitava a multas clínicas ou consultórios que dessem informação sobre interrupção voluntária da gravidez, o Parlamento decidiu abolir totalmente o artigo, com o apoio dos grupos parlamentares da coligação no Governo (SPD, Verdes e Partido Liberal Democrata) e ainda do partido A Esquerda (Die Linke).

“Já era altura”, disse o ministro da Justiça, Marco Buschmann (dos liberais), no Parlamento, comentando como era “absurdo” que as clínicas não pudessem dar informação completa sobre o aborto enquanto “todos os trolls e adeptos de teorias da conspiração” podem divulgar as suas ideias sobre pôr fim à gravidez.

A restrição, contida numa lei de 1933, no início do regime nazi, pode parecer menor, mas implicava que apenas a informação de que era possível interromper a gravidez num consultório era passível de ser punida com multa. Isso aconteceu em vários casos recentes e mediáticos, incluindo o de Kristina Hänel, médica de clínica geral que recebeu, em 2017, uma multa de 6000 euros por informar que no seu consultório era possível fazer o procedimento, e que começou uma campanha pela abolição do artigo. Hänel assistiu ao debate nas bancadas do Parlamento e recebeu aplausos pela sua luta contra o artigo.

A lei foi entretanto alterada, em 2019, permitindo às clínicas dizer que tinham a possibilidade de interromper gravidezes, sem, no entanto, poderem dar qualquer detalhe.

As queixas judiciais surgiam sobretudo por acção de grupos antiaborto que se organizam online, segundo a AFP. O Parlamento também decretou a anulação de penas em todos os casos em que houve condenações com base na lei a partir do ano de 1990.

A falta de informação online, aliada aos grandes tempos de espera para consultas de especialidade, e ainda para o aconselhamento obrigatório, faz com que o acesso ao aborto na Alemanha não seja fácil. “Tive muita dificuldade em encontrar informação”, disse à emissora alemã DW Verena, que tinha 22 anos quando ficou grávida e queria interromper a gravidez. “Não havia qualquer maneira fácil de ver que médicos faziam abortos, onde estavam, ou como era feito o procedimento”, relatou.

A busca sobre efeitos secundários ou diferenças entre os tipos de interrupção da gravidez – médica ou cirúrgica – levou Verena a sites “que avisam que se vai ficar deprimida, traumatizada e infértil”, lembrou. “Isso não é aconselhamento médico – só serve para que uma pessoa se sinta a pior pessoa do mundo”, comentou.

Verena acabou por receber o nome de três médicos num telefonema a uma clínica local. Mas não tinha como saber que tipo de procedimentos eles faziam.

O aborto é crime (excepto em casos de violação, perigo para a saúde da mãe ou criança), punível com penas de até três anos de prisão, mas interrupções feitas até às 12 semanas não são alvo de acção judicial se a mulher receber aconselhamento e esperar três dias até ao procedimento.

Há clínicas que, apesar de a lei permitir interrupções até à 12ª semana, só fazem até à 10ª semana, exemplificava Jana Maeffert, da associação Médicos pela Escolha. Ou só fazem interrupções médicas e não cirúrgicas, ou vice-versa. Como não podiam dar a informação, a mulher só saberia depois de chegar pessoalmente à clínica.

O diário TAZ diz que a Ordem dos Médicos tem uma lista com clínicos que fazem abortos em todo o país: esta tem apenas 268 nomes. Há, no entanto, cerca de 1200 clínicas a fazer interrupções legais da gravidez, o que não é muito, disse Maeffert à DW. “A proporção de ginecologistas a fazer abortos é de um em dez.” Há grandes cidades, como Estugarda, onde não é possível fazer um aborto em nenhum hospital.

O motivo não é necessariamente objecção de consciência, acrescentou Maeffert; há casos em que as clínicas não querem ter de lidar com os obstáculos e potenciais problemas, e em comunidades pequenas, ginecologistas não querem ser conhecidos como “quem faz os abortos”.

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