Banco de Portugal vê risco de queda dos preços da habitação
O regulador admite a possibilidade de uma “correcção significativa” dos preços da habitação, cenário que teria impacto directo no balanço dos bancos.
Ao fim de quatro meses de guerra na Ucrânia, e numa altura em que a inflação atinge os níveis mais elevados em várias décadas, o Banco de Portugal (BdP) está a subir o tom dos alertas relativos aos riscos para a estabilidade financeira. Entre os principais riscos está agora a possibilidade de uma “correcção significativa nos preços do mercado imobiliário residencial”, um cenário que, a confirmar-se, poderá ter impacto directo no balanço dos bancos.
No mais recente Relatório de Estabilidade Financeira, relativo a Junho de 2022 e publicado esta sexta-feira, o BdP reconhece, entre as principais vulnerabilidades e riscos para a estabilidade financeira, “o risco de uma redução dos preços no mercado imobiliário residencial, decorrente de alterações nas condições de financiamento”.
Este risco é apontado num momento em que as taxas de juro voltam a aumentar, ao fim de vários anos em níveis historicamente baixos e mesmo negativos, o que vem encarecer o crédito. Ao mesmo tempo, por esta altura, os preços das casas continuam a aumentar a ritmo acelerado, fruto do aumento da procura de habitação, sobretudo por não residentes, e da persistente escassez de oferta. No primeiro trimestre de 2022, segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), os preços de venda da habitação em Portugal aumentaram 12,9% face a igual período do ano passado.
Neste contexto, o BdP considera que, “nos últimos anos, o crédito bancário doméstico não tem sido o principal factor subjacente à subida dos preços da habitação”, mas esse é um cenário que pode alterar-se e que tem de ser monitorizado. “No contexto do recente maior crescimento observado no crédito à habitação, é fundamental assegurar que este não passe a assumir um papel determinante para a evolução dos preços no mercado imobiliário”, pode ler-se no relatório.
O regulador salienta, ainda, que “a adopção da recomendação macroprudencial relativa aos novos créditos tem-se traduzido numa melhoria do perfil de risco dos mutuários e das características da carteira de crédito à habitação”. E reconhece, por fim, que “o rácio de empréstimo relativamente ao valor do colateral da carteira de crédito à habitação indicia resiliência a uma correcção do imobiliário residencial”.
Ainda assim, o risco existe e mereceu mesmo uma análise alargada por parte do BdP. Com base num modelo estatístico que analisou a distribuição da variação dos preços da habitação em Portugal em 2021, “condicionada pela situação financeira e económica que prevalecia” nesse ano, o regulador aponta para “uma expectativa de deterioração dos preços do mercado habitacional de 2023 para 2024 no cenário central”. Ao mesmo tempo, prevê “um aumento da incerteza” a partir de 2023.
“As circunstâncias actuais e esta análise justificam a necessidade de continuar a monitorizar os riscos no sector imobiliário residencial, em particular, num contexto de normalização da política monetária e de persistência da dinâmica de crescimento dos preços da habitação”, conclui o BdP.
Situação financeira das famílias pode deteriorar-se
Ao risco de correcção dos preços do imobiliário, junta-se o da deterioração da situação financeira das famílias, fruto do aumento das taxas de juro e da inflação, o que, por sua vez, poderá levar a um aumento do incumprimento do crédito.
“No actual enquadramento macroeconómico e geopolítico, conjugado com a expectável subida das taxas de juro de mercado, a situação financeira dos particulares pode deteriorar-se, aumentando o risco do incumprimento”, reconhece o BdP. “Em Portugal, a proporção de empréstimos à habitação com taxa variável é de cerca de 90%, levando a que a subida das taxas de juro de mercado se traduza num aumento do serviço de dívida. O indexante mais frequente é a Euribor a 12 meses. A este efeito acresce a redução do rendimento real disponível e o impacto da crise pandémica na situação financeira de algumas famílias”, acrescenta.
Ainda assim, o regulador sublinha que “há factores que mitigam o risco de incumprimento dos particulares”, destacando a redução do endividamento que se observou no período anterior à pandemia e que foi transversal a famílias com vários níveis de rendimento. Ao mesmo tempo, verificou-se uma “melhoria do perfil de risco dos novos mutuários em consequência da recomendação macroprudencial”.